Quem sou eu

Minha foto
Quando teu olhar verdade encontrar o meu no silêncio entre as minhas palavras, verás que ele foi sempre teu, por essência de nossa sinceridade.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

As Pescarias do Zé

Miro 18.02.2011

Parece não haver dúvidas que o nosso pescador de maior timbre, não era outro senão o nosso querido Zé.

Zé é um daqueles “mineirin” que pesca de um tudo, de tudo quanto é jeito. Tinha um barco de "Alumín" com dois motores de 15 Hp, um deles não funcionava, servia de contra-peso para enfrentar os mares do Atlântico Sul em sua casca de noz metálica.

Mesmo sem bússola ele sempre sabia: onkoto e onkovo!

O galão de água, a garrafa de uma boa cachaça mineira, um isopor que além dos peixes servia de colete salva-vidas, 2 remos antigos, um deles quebrado pela metade, formavam o kit de sobrevivência em caso de naufrágio, o que nunca aconteceu tamanha a destreza do nosso capitão peixeiro.

Ah! Tinha ainda, a tal infusão de Gataia, Canela e Cravo, que segundo os nativos supriam qualquer emergência de fome, de saúde e repelência de mosquitos.

Sabia muito da baia de Paranaguá, conhecia também o mar aberto, até as duas ilhas de Itacolomy e os Currais.

As vezes em função do abraço demasiado na mineira marvada ou na gataia, pegava o lado errado da Ilha do Mel, mas nada que não pudesse ser refeito com algumas voltas ao redor da Ilha.

Documentos em dia, junto com o seguro do barco ficavam num plástico velho de saco de leite impermeável de cheiro duvidoso, nada comparado ao aroma proveniente dos camarões ressecados, perdidos nos embates pesqueiros entre os vãos do assoalho de madeira no fundo do barco.

Tinha também uma capa de chuva amarela e uma caixa de pescaria com todos os tipos de chumbadas, anzóis, linhas e iscas artificiais. Bonita de ver, mas que ninguém podia chegar perto, tamanho o ciúme que tinha de seus apetrechos.

Dizia que caixa de pescador era como moto ou mulher, não se empresta nunca…

De tantos apetrechos, as vezes decidia errado, como colocar um anzol 2/0 para pegar peixes que não são miúdos entre as duas ilhas de Itacolomy.

O Zé tinha uma varinha pequenina, a sua preferida, que pela história e porte pouco avantajado, não mostrava em qualquer lugar. Uma vez mostrou-a na sauna do Santa Mônica, num domingo, onde os "veiotes" de plantão até acharam que ela tinha um razoável tamanho, mas não fez muito sucesso...

A maior felicidade do Zé foi mostrar sua varinha na sauna do Clube Nikey, todo mundo ficou admirado com o tamanho avantajado do instrumento, muito maior que a media conhecida no local. Depois disto o Zé só freqüentou a sauna do Clube Nikey.

Numa destas tardes quentes de janeiro, pós a posse de tantos bons políticos ficha limpa, eu estava no longe jardim de recordações de minha infância, ou seja, na progressiva cidade de Rolândia, também chamada de Rainha do Café, berço meu e do Nacional Atlético Clube, com seu internacional estádio Eric George, agora com iluminação noturna, o que custou a permanência do time na primeira divisão, pois a conta de luz era maior que o salário do centro-avante goleador.

Estava eu em um solilóquio webístico, quando recebi notícias alviçareiras da pescaria no Itacaré, vividas, é claro, pelo nosso Zé!

A mais interessante, foi ele ter pego uma fantástica evolução dos mares, um peixe que já vinha sem rabo, no tamanho certo para ser guardado no velho isopor do Zé, tão conservado como o nosso mais conservado aposentado pescador, o próprio Zé.

Sem perceber uma confusão de mensagens e sílabas, acabei indo ao Google para saber onde estava meu amigo pescador e dei de cara com uma resposta automática do Google:

- Você quis dizer Barão do Itararé…

Automaticamente também, veio a minha memória o nobre e também semi-fictício barão de mesmo nome, o Barão de Itararé, humorista dos primórdios republicanos, que primeiro auto intitulou-se Duque, depois Barão de uma famosa região, divisa entre a grande Rolândia e a megalópoles São Paulo, esta última não tão mega à época do Barão.

Lá em Itararé, no ano de 1930 não houve uma suposta guerra sangrenta e vários acordos foram feitos para que o BRASIL, pudesse entrar firme nos 15 anos da era Vargas, como descrito na citação abaixo de Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o Barão de Itararé:

"Fizeram acordos. O Bergamini pulou em cima da prefeitura do Rio, outro companheiro que nem revolucionário era ficou com os Correios e Telégrafos, outros patriotas menores foram exercer o seu patriotismo a tantos por mês em cargos de mando e desmando… e eu fiquei chupando o dedo. Foi então que resolvi conceder a mim mesmo uma carta de nobreza. Se eu fosse esperar que alguém me reconhecesse o mérito, não arranjava nada. Então passei a Barão de Itararé, em homenagem à batalha que não houve..."

Em pleno janeiro, não tive como não criar alguma tênue analogia com as nomeações de Ministros, Secretários, Presidentes, Diretores e Superintendentes após uma mudança eleitoral…

Mas o que há de comum nisto tudo? Como saber se o peixe sem o rabo do Zé era verdadeiro? Frase cunhada com proposital ambigüidade para aproveitar a oportunidade de tirar algum sarro do Zé…

Serão os tais peixes frutos da imaginação fértil e pesqueira do Zé?

Serão eles realidades adquiridas com seu salário?

Serão eles clones de peixes exógenos, jogados fora por pescadores japoneses que também freqüentam a sauna do Clube Nikey?

Ou será tudo isto a mais verdadeira verdade absoluta…

Fiquei imaginando pescador e o tal peixe pitoco travando uma RICHA infindável, até que o esmorecido vertebrado aquático com brânquias arfantes se rendeu aos apetrechos do Zé!

O peixe pitoco chegando no barco com a mesma dignidade de soldados paraguaios assustados com os bigodes de Caxias, aqui representado pelo potente e curto caniço, com carretilha importada, comprados pelo Zé numa marina da Ciudad del Lest... especialista em pesca de cúrrico nos mares daquele País...

Decorreu daí a possibilidade de colocar no grande pescador o título de Visconde de Itararé, o que rima com Zé, como as tertúlias do nosso ainda quase aposentado Justus, o Poeta Imperador. Enviei então, a todos os amigos do Doutor Salinas, recomendações para esta nomeação! Convoquei, como Vargas, os trabalhadores do Brasil e a todos que como eu, estão em férias definitivas para apoiar o Zé.

Falando em aposentadoria recente, mesmo em Rolândia, entrei na era do Jacques Cousteau:

Jacques Você está aposentado, dá para trocar a resistência do chuveiro... a lâmpada do banheiro... arrumar o telhado... lavar a caixa d'água... isto tudo muito me Cousteua...

Quero finalizar confessando que está sendo muito cansativo não se preocupar com nada além dos afazeres e manutenções domésticos, jogar Sudoku, Paciência Spider, ler livro de ficção e assistir as chamadas da novela Vale a Pena Verde Novo...

Estou ficando estressado com tanta falta de estresse, em ter que decidir fazer coisa nenhuma ou não fazer nada... preciso consultar o Dr. Salinas...

Confesso que preferia pesquisar a nova espécie, denominada pelo Tuta, de cavala pitoca sem o rabo do Zé, do que ficar sem nada fazer!

Quero elaborar algo além do fútil e quem sabe ser tão útil como o velho Jacques-Yves, o co-inventor do aqualung e que esteve nos rios e mares brasileiros em atitude menos predatória que o nosso candidato a Visconde de Itararé, descobrindo e catalogando novas e raras espécies!

Com saudades das confusões dos tempos de mudança de governo, dos secretos, mas não muito, acordos de Itararé, peço de coração:

Vote no site pelo titulo do Zé, o nosso Visconde de Itararé! Ou será Itacaré… de qualquer forma será o Grande Visconde Zé e não um "Mané qualqué"...

Shampoo de Matupiri

Conforme o combinado lá estávamos nós numa quarta-feira magna, repleta de motivações para comemorarmos mais um equinócio no hemisfério Sul, o momento em que o inverno deita seus friorentos dias na veia cava da lembrança, dando sangue novo às artérias e lugar ao colorido renascente da primavera, onde o petit pavé das calçadas fica amarelado pelos múltiplos orgasmos dos Ipês de mesma cor.

Como dizem os franceses: printemps! Ou melhor, tempo de loucuras! Nele a natureza explode em hormônios vegetais, que flutuantes no ar criam as maiores alergias nos narizes sensíveis das recatadas mocinhas curitibanas, que espirram sem parar dentro dos ligeirinhos ou quando passam rebolativas através da Rua das Flores. Por toda cidade a grama renasce forte e os campos gerais das imediações ficam com suas madeixas ao vento como trigais europeus em pinceladas rápidas de Van Gogh.

Foi nesta atmosfera de passagem que, após ter ido pescar tucunarés-açus no Rio Matupiri, um afluente de um afluente do Rio Madeira, em um destes flutuantes que tem todo conforto para sueco nenhum desgostar da Amazônia, que nosso Almirante voltou todo empolgado com uma descoberta que não tinha nada a ver com pescaria: uma substância milagrosa extraída de uma planta tropical, que pasmem, fazia crescer o cabelo e que agora estava disponível na forma de um shampoo e que tinha renovado a esperança dele ter de novo aquela farta cabeleira dos tempos dos Beatles em Sôlorenço do Passa Quatro.

A seguir ele colocou a embalagem do shampoo bem do lado da garrafa de cachaça mineira, que estava rodeada de pequenos copinhos, quase uns dedais de vidro com o precioso mel de bálsamo, que emolduraram o início de um movimento síncrono e uniforme de todos os olhares dos presentes, desde a garrafa santa em companhia do shampoo até a relusente e vermelha testa avantajada, onde todos puderam constatar o efeito milagroso na cabine de comando do almirantado.

Sem dúvida alguma coisa diferente havia acontecido naquela pescaria e com nosso amigo! Uma farta penugem branca povoava todo o convés do companheiro, balançando leve sob a brisa que entrava pela porta aberta do boteco, quase uma ilusão de óptica impressionista, composta diante de nós.

Foram alguns segundos de silêncio comtemplativo antes que todos caíssem na risada. Além das penugem sob o vermelho, que ainda não sabíamos se era do Sol equatorial ou efeito colateral do tal shampoo, um único fio de cabelo preto resistia bravamente a agrúria dos tempos e apontava em riste para o céu como um agradecimento ao milagre obtido.

Gaiato nato, o Magrão logo falou:

-Excelente este shampoo para "o" cabelo!

Todos riram pelo fato singular de que na embalagem o tratamento era também no singular, ou seja bastava ter um fio para não perder a esperança. Jacó do Violão, que tem uma cabeça lisa de fazer inveja à casca de ovo de qualquer avestruz de cativeiro, deixou de lado seu instrumento de menestrel ocasional do improviso e tascou com a voz em meio tom a tradicional pergunta:

- Não tem efeito colateral? E o sexo?

- Uma beleza, não atrapalha em nada! Até ajuda, pois também tem guaraná e catuaba em pó na sua formulação! Toda manhã eu acordo com o estandarte em riste!

- Sei não. Disse o Pachá, um outro grande testa da turma. Estes produtos diminuem a vontade, a tal de libido, experimentei um que só me trouxe constrangimento e dissabores, precisei associar o azulzinho para que as noites de inverno não ficassem tão frígidas.

- Não senhor, ele é bom mesmo. Complementou o mais alto escalão da Marinha, penteando e ajeitando com dois dedos o fio preto de cabelo eriçado pelo vento.

A conversa parou por aí e outros assuntos vieram a baila, discutiu-se muito sobre a preferência de alguns membros da tropa pelo Doctor Juanito Camiñante Rojo, como bebida para os dias menos gelados da primavera.

Foi só o imperador chegar para contarmos para ele a novidade sobre o shampoo da Amazônia. Ele tirou seu chapéu da estação, passou a mão na testa longa até o pequeno rabicho de cavalo cultivado sobre a nuca, fez uma breve pesquisa sob a gávea do nosso pescador e convicto disse:

- Vou experimentar!

Empolgado com a situação, eu que também tenho longas entradas e que estão se tornando cada vez mais longas, como que ampliadas por bandeirante ação do tempo, também não resisti:

- Também vou!

Coincidência ou não, quase num salto, o Bukerke saiu da mesa e foi até o porta malas do carro, de onde trouxe uma caixa do tal shampoo, comprada quando ele fez uma viagem com o Batuta para Belém do Pará, também na Amazônia.

As notas e cheques correram fácil sobre a mesa. O Magrão não resistiu e perguntou ao Bukerke se ele estava ampliando seu portfólio de fornecimento de especiarias raras do norte e nordeste brasileiro. Mas este nem respondeu, só contando o cheque e o dinheiro arrecadado.

Na empolgação comprei 4 vasilhames, custaram-me R$198,00, trinta e oito pilas só de frete...

Fui para casa inebriado pelos tapas na marvada mineira e curioso para experimentar a novidade. No mes que se seguiu, todas as manhãs eu usava o shampoomassageava o cabelo duas vezes, e enquanto a substância amazônica fazia efeito, eu aproveitava o tempo para lavar minuciosamente com a espuma que escorria o meu próprio nariz e os meus ouvidos. Depois do banho olhava atentamente o progresso capilar em minhas entradas. Em 21 dias fiquei tão empolgado com as penugens ressurgentes que não me dei conta do que havia acontecido comigo, continuei usando o shampoo e mantendo o mesmo ritual por dias.

Toda esta odisséia capilar acabou quando minha filha que estava viajando para fora do País veio ao Brasil para votar e ao invés de me beijar perguntou-me:

-O que é isto Papitika?

Entusiasmado, respondi com outra pergunta:

- Você notou a diferença?

-Claro Pai! É ridículo.

- Como assim filha, eu tenho direito de ser um pouco vaidoso, de cuidar da minha aparência!

-Tudo bem Pai, Você tem este direito, mas isto é ridículo... RE-DÍ-CU-LO!

Pegou-me pelo braço e levou-me até em frente ao espelho do hall de entrada.
Ainda cego e orgulhoso dos avanços capilares em direção a minha testa, abri um sorriso de satisfação.

- Viu está crescendo cabelo aqui nas entradas!

- O Pai! Não estou falando disto!

E virando minha cabeça de um lado, depois para outro, depois para cima ela apontou para mim em julgamento final:

-Pai Você está com pelos, imensos pelos, no nariz, nas orelhas, Você sabe como eu acho REDÍCULO pelos, pelos nas orelhas!

Acabrunhado e com tufos de pelos saindo pelas ventas e orelhas, fui correndo ao banheiro, peguei o que havia: uma pinça! E em suicídio capilar retirei os tufos entre lágrimas de desespero. O que fazer? Não ter cabelos ou ter pelos, pelos nas orelhas? Lá se foi minha esperança...

Voltei do banheiro, abracei minha filha, contei a história do shampoo e falei que a amava. Ela deu muita risada e beijando me disse:

-Pai também te amo! Amo Você como Você é! Você é meu candidato a careca preferido nas próximas eleições, só não quero que Você tenha tufos e tufos de pelos, pelos nas orelhas.

Não preciso dizer que no aniversário do meu amigo Pachá ele ganhou de mim 3 frascos do shampoo amazônico novinhos em folha, afinal de contas, a família dele, diferente da minha, não liga dele ter pelos, tufos de pelos nas orelhas!


PS. Esta é uma história irreal, fruto de uma imaginação aquecida pela falta de cabelo e por alguns goles a mais de uma boa cachaça mineira e qualquer relação com shampoos ou pessoas reais existentes é meríssima coincidência!

Pet Incineração

Miro 17 de setembro de 2010.

A primeira vez que me apaixonei por Você estava distraído, não percebi Você chegar, quando tomei consciência já era tarde de mais, não conseguia deixar de pensar em Você. Isto aconteceu em São Paulo, num bairro chique, chamado Jardins. Tua imagem foi montada rapidamente em minha memória ativa como um quebra-cabeças para principiantes. Após uma boa garrafa de vinho, lá estava eu diante de tua presença mental, linda, sorridente e e u escrevendo para Você como se Você pudesse me ver, ler e ouvir. Alguns dias depois, Você morreu pela primeira vez em mim, quando escolheu apaixonar-se por um outro homem. Senti-me como um cãozinho abandonado, tornei-me imaturo nos meus próprios sentimentos, fugi como pude de expressá-los e digno de uma criança adaptada e submissa a realidade crítica dos fatos, apostei em minha paciência interna e eterna para passar ao largo de tua influência. Isto não foi fácil, também não foi o pior pesadelo de minha vida, compus minha frustração de vários modos, deixando minha mente criança e poeta enlouquecer extravasando rimas e contos. Esta frustrada paixão alimentava meu ego rebelde com suas estocadas certeiras em meu coração ainda forte. Fui trabalhando e considerando a realidade dos fatos até acalmar minha obsessão mental por ti. Criei compensações múltiplas, saí com mulheres livres, dormir com pomba-giras, deitei-me com putas e candidatas, comi de tudo um pouco, como se a diversidade pudesse aplacar o monocromático de minha intenção em ter Você. A falta de possibilidades contigo me fez voltar aos velhos amores, valorizar o carinho disponível e trazer para o coração algum conforto térmico afetivo. Passei alguns meses neste situação, até que conformado com sua distância, pus-me em movimento emocional, valorizando sentimentos amadurecidos e confiáveis.

A segunda vez que me apaixonei por Você estava no controle da situação, deixei Você se aproximar, sentia-me seguro com tua abordagem, preparado para dividir tua presença impactante comigo, comemorar tua liberdade, fiz viagens para te encontrar, procurei facilitar tua vida, nutri tuas necessidades de sobrevivência mais básicas. Por não ter medidas contigo, acabei de novo sufocando-me e te sufocando com minha prontidão afetiva e embora querendo-te perto, pronta, possível, percebi que Você só me queria como amigo, protetor confiável e assim criei novas razões para que Você pela segunda vez morresse dentro de mim. Depois destes acontecimentos, por várias vezes me perguntei porque não a dominei com minha força nos momentos em que te percebia fraca. Você estava à mercê de muitas coisas, mas a despeito de minhas vontades, fantasias, meu modo livre de ser e querer impediu-me sempre de usar meios mais impositivos ou sedutores contigo. Sofri tua perda mais ainda, quando anunciastes teu novo caso afetivo. Busquei consolo em algumas garrafas de cachaça mineira, enlutei-me em prosa, em versos, em tiras de rimas, em novas mentiras afetivas e como um vira-latas busquei saciar minha fome em trocas de carinhos projetivos públicos, que me dessem alguma compensação ante o teu novo abandono. Saí desta situação estruturando minha vida, considerando que contigo nada seria além de uma amizade banal, iguais a tantas outras que cultivas no twitter, com risos triviais e de vivências superficiais. Entendi, que eu para ti seria no máximo um dos teus vários bichinhos virtuais de estimação.

A terceira vez que me apaixonei por Você estava atento, muito atento para não cair de novo nas mesmas armadilhas, sentia-me maduro, consciente do valor do amor e da temporalidade da paixão, encarava os fatos e os dados com muita técnica e exatidão, calculava nossas diferenças, desprezava as nossas similitudes, atracava meus sentimentos em sentimentos que como cais impediam-me de estar em mares revoltos e desconhecidos. De algum modo muito sutil, algumas sementes regadas por alguma arrogância foram desabrochando em meu peito e, aos poucos, fui ficando de novo cego por ti. Lia a realidade dos fatos através dos filtros de toda uma história de frustrações mal compensadas, a vida te jogando de novo para o meu lado, que leitura fazer do destino senão desencavar os velhos sentimentos contidos e morder a isca do inesperado fato de Você estar mais uma vez disponível. Sem negar o que sentia, com cautela e já cheio de marcas desta paixão, fugi de ti como o diabo da cruz, mesmo querendo tê-la como redenção de todos os pecados vividos em teu nome. Fugi como cão sem dono atemorizado dos teus laços e abraços possíveis. Congelei-me em glacial tempo de espera até constatar mais uma vez que tua escolha não era estar comigo. Desta vez não chorei, só fiquei com muita raiva, espaços e tempos perdidos por nada e nada mais em mim seria de algum valor em relação a Você. Socialmente, ainda cooperei com tuas iniciativas e vontades, sufoquei minha espontânea ira pelo troco da paz interior. Desejei e te vi feliz ao lado de teus amores! Considerei minhas dores, meus princípios, minhas vontades, meus sonhos, todos os movimentos internos e externos que fiz em relação a Você e conclui que deveria integrá-los em uma única sepultura, enterrar por esta vida qualquer possibilidade contigo, afastar-me de ti definitivamente, rompendo todas as formas de ligação contigo.

Procurei várias formas de fazer isto, com classe, com elegância e que fosse definitivo. Numa manhã, ouvindo o rádio do carro, escutei um anúncio sobre “pet-incineração”, anotei o endereço, liguei para saber o custo, não era lá tão exorbitante, até podia ser feito em vezes. Eu preferi a vista, pois na fatura do cartão só estaria uma única e última lembrança de Você. Juntei tuas fotos, todas as poesias, contos e tiras que fiz por Você e saí a esmo pela cidade. Não foi difícil encontrar um cão recém-atropelado morto, enfiei na garganta dele tudo que se relacionava contigo, algo estranho, difícil e até nojento. Algumas pulgas pularam em mim, afastei-as como pude e mesmo assim continuei com meu propósito. Juntei a carcaça já sem vida e dirigi-me ao crematório pet. Entrei com algumas lágrimas nos olhos, a moça atendeu-me com atenção e presteza. Um grande cartaz avisava: trate com carinho aquele que sempre te tratou bem! Fiquei pensando na vida vagabunda que aquele vira-lata tinha tido, ele parecia forte, saudável, um daqueles cães chefes de matilhas que perambulam pela cidade em busca de restos de fastfood e cadelinhas no cio, que eram estupradas por ele entre as grades dos portões das casas mais chiques e que por um descuido, foi atropelado em uma via rápida... Afastei esta minha fantasia canina e coloquei o cão numa pequena urna de pano grosso que ela entregou-me comovida. Perguntou-me se queria uma cremação indivicual ou coletiva. Respondi que queria individual, de R$150,00, conforme a promoção anunciada na rádio. Depois de passado o cartão de crédito e fechado uma espécie de ziper na urna, não vi mais o vira-lata recheado. Ela levou-o para uma sala interna e cerca de duas horas depois voltou com um pequeno vidro com cinzas e um rótulo em branco. Com delicadeza e preparo para estes momentos, perguntou-me quase em silêncio o que eu queria fazer com as cinzas e como chamava o cãozinho, sem pestanejar respondi: fique com Você, ele se chamava Paixão!

Sex Appeal

Miro 3.9.2010

Tratava-me igual a todo mundo, sorriso fácil, dentes ao vento, cabelos soltos e molhados em movimentos leves e sensuais. De vez em quando cruzava as pernas desleixadamente, deixando aparecer as manchas azuladas em suas cochas, fruto de alguma batida estabanada nos bagunçados móveis de seu apartamento de cobertura. Por outras dava aos olhares passantes masculinos, um breve trailler de seu poder feminino, com imagens breves de suas microcalcinhas, que logo eram cobertas pelos raros panos de suas saias floridas em eterno verão.

O jogo dela não era fácil, fácil era se apaixonar por ela. Não bebia, não fumava, não comia carne, mas tinha um sex appeal que deixava o ar dos cuecas de plantão cheios de testosterona enrustida. Nas histórias de seus ex-namorados, todos haviam recebido bons pontapés nas suas respectivas bundas por algum motivo aparentemente fútil e nunca totalmente por ela revelado. Jamais levou algum fora, a não ser o de um ator assumidamente gay por quem se apaixonou perdidamente por cerca de vinte e quatro minutos.

Havia nela uma expertise mórbida em jogar o conquiste-me se puderes. Ela era perita em deixar os homens babando por ela nos corredores e escrivaninhas do seu trabalho. Nos bares que ia com a irmã, de largo currículo de relações breves e intensas, mostrava-se quase sempre alheia aos interessados passantes. Muitas vezes, dava a impressão de não estar presente, cutucando continuamente suas unhas ou apavorando suas amigas distantes com as notícias da hora, através do twitter acessado de seu super celular.

Nunca decidia nada, ficava sempre com aquela cara de que quase quer, para em seguida torcer o nariz e dizer o que quase sempre dizia: -não sei... mas sabia, sabia que queria manter viva a chama do interessado, a uma distância tal que se sentia aquecida em seu Ego e suficientemente protegida para que o ser por ela encantado não ousasse chegar mais perto. Colecionava admiradores, alguns novos, outros mais velhos como eu, juntava-os como seguidores do seu twitter que bombava direto em mensagens codificadas, que só eram entendidas pelas suas melhores amigas.

Em várias ocasiões, bebi sozinho uma garrafa de cachaça mineira inteira, desrespeitando o célebre código de só sorvê-la dedal a dedal, pois queria esquecer aquela amaldiçoada paixão a qualquer custo!

O que é pior, logo depois, minhas fantasias e paranóias aumentavam e eram sistematicamente produzidas em minha mente poluída de tanto a desejar. Para compensar, curtia a longa fome básica insaciada com vídeos baratos e revistas pornôs, sempre buscando atrizes que tinham algum traço a ver com ela: uma sobrancelha mais densa, uma pinta na testa, cabelos encaracolados molhados, uma tatuagem no pescoço, a voz ou a risada parecida, enfim, qualquer coisa que pudesse lembrá-la naqueles momentos de solidão e desespero animal.

Foram tantas as energias dissipadas em seu louvor, que poderiam cobrir de orvalho branco todos os vidros de suas janelas nas frias madrugadas de minhas intensas e loucas intenções. Eu imaginava que a névoa que impedia a visão da janela de seu quarto, não era por conta da natureza fria da cidade, mas a concretização densa de todas as minhas frustrações masculinas deitadas vesgas ao vento em nome dela.

Ao perceber que minha paixão jamais seria por ela correspondida, procurei uma terapeuta, que por obra do acaso, tinha o mesmo tom de voz que ela, o que me fazia gozar intimamente em cada sessão, afundando a minha fantasia em neuroses, psicoses e paranóias, que podiam ser transferidas para a doutora sem nenhuma preocupação.

Projetei na terapeuta durante três anos seguidos o que senti por aquela indecifrável e distante mulher, até que um dia ao entrar no consultório encontrei ambas conversando, constatei assustado que elas se vestiam sempre do mesmo jeito, não mudavam nunca: eram só frutos de minha poética e esquizofrênica imaginação...

Pimenta Avatar

Miro, 27 de agosto de 2010.

Fui assistir com amigos o filme Avatar em IMax com óculos de 3D, maiores que os do Elton John na década de 70. Depois de 3 horas e meia, saí do cinema com aquela sensação de que precisava de uns goles de uma boa cachaça mineira, para amolecer minhas partes posteriores, cansadas de tanto tempo na mesma posição planar. Ou seja, carecia fazer algo para desamassar minhas brancas nádegas que pareciam uma enorme aspirina.

Alguns minutos de negociação, a decisão pendeu para uma bodega mexicana, que estava promovendo um festival de pratos típicos com chiles (pimentas) especiais, vindas diretamente do México.

Já na entrada havia um cara magrinho com um chapéu enorme vermelho! Ele parecia um cogumelo desengonçado, que levantaria vôo no próximo sopro de um dos super ventiladores instalados na parede colorida da bodega. Ele nos levou até uma mesa e chamou uma garçonete, que tinha um pouco mais de 1 metro de altura, falava com um sotaque carregado, misturando portunhol com sua língua nativa. Muito prestativo, perguntei de onde ela era... Foi o meu primeiro erro da noite. Empolgada pelo meu interesse, começou a contar a história de seu país e de sua tribo.

-Soy del México, onde todo és mui rico! La língua és rica, la comida és rica, los pueblos são ricos!

Pensei, até os pobres são ricos... E ela continuou:

- Todo és mais esquisito! Viengo 'dunga' tribu vieha. Usted conoces las tribus mexicanas?

-Si. Jô conosco os Aztecas, os Maias e os Toltecas. Respondi em portunhol arrastado, já arrependido de ter feito o incentivo ao intercâmbio cultural recém iniciado.

-Pero hay mutcho mas, Jô viengo de la tribo Chouchoutecas, muy antigua... muy rica e muy antigua...

E assim ela contou-me que a sua tribo era uma das nove que existiam no México pré-colombiano e que eles tinham o costume de sacrificar, no mau sentido da palavra, as donzelas mais bonitas em homenagem aos deuses Chouchoutecas, que retribuíam fazendo chover sobre suas plantações de milho e pimenta.

Após alguns anos de seca, a tribo não tinha muito mais quem sacrificar. Olhei minha garçonete e fiquei imaginando que pelo jeito da estiagem, só tinham restado tribufús, que nem os deuses menos prestigiados aceitariam. Isto se confirmou em seguida, pois ela mesmo contou que as mulheres que ficaram, eram cada vez mais baixinhas, gordinhas, feias e mal humoradas. Eram tão feias, que só em último caso, em noites sem Lua, após as danças regadas com um ancestral da tequila e pimenta é que elas eram visitadas pelos fortes guerreiros em suas ocas Chouchoutecas.

As mulheres restantes Chouchoutecas eram responsáveis pela plantação, cuidado, colheita e aprimoramento da linhagem das pimentas cultivadas na tribo. Elas faziam isto com tanto ódio e inveja das belas virgens, que estavam no gozo eterno no colo dos deuses Chouchoutecas, que a maioria dos brotinhos de pimenta secavam. As que sobravam elas cultivavam com mais raiva ainda e a pimenta foi se aprimorando, cada vez mais ardida, retorcida e forte.

Foi assim que surgiu uma degeneração ácida, mistura das piores pimentas mexicanas: a habanero e a halapeño, que por infeliz coincidência, recebeu um nome indígena que significava “aquela que descende diretamente do terrível Deus Chouchoteca da Sêca”, ou seja a encarnação d’Ele: uma pimenta Avatar! Segundo a garçonete, ela era o principal tempero de tudo, tudo mesmo, que se comia na tribo por séculos...

Não preciso dizer que ato seguinte à história, alguns pratos de comida típica com nachos, tacos, guacamole, todos muy calientes e acompanhados da tal pimenta Avatar foram dispostos à mesa.

Na falta de uma boa cachaça, pedi uma tequila ouro, mas pelo meu atravessado portunhol, acabei diante de um Mescal, com um verme estranho dentro da garrafa, que deixou minha amiga com um certo nojinho da minha bebida e da minha companhia.

A pequena descendente Chouchouteca disse-me que o verme era afrodisíaco. Nas noites sem Lua, ele era colocado pelas mulheres de sua tribo na bebida dos homens junto com a tal pimenta reencarnação dos Deuses... Depois disto eles comiam qualquer coisa que viam pela frente...

Empolgado com o natural viagra que de improviso tinha sido colocado a minha disposição, esqueci completamente a idéia inicial de beber uma cachacinha esperta e tomei de um gole o copinho de Mescal, sentindo na garganta um ardume característico dos destilados mexicanos.

Mais empolgado ainda avancei nos pratos mexicanos... Foi quando a miseravelzinha índia desafiou-me dizendo que aquela pimenta Chouchouteca, brasileiro nenhum jamais tinha comido!

Arranquei duas delas dos seus pequenos dedos e em golpes de aríete fiz meu maxilar e mandíbulas destruí-las em pedacinhos em num piscar de olhos... olhos... que olhos... meu Deus meus olhos?!

Entendi sem piscar os olhos o segundo significado da denominação Avatar. Meus olhos saíram das órbitas, saltaram para fora das pálpebras e começaram ver tudo em 3 Dimensões sem os tais óculos Eltonjhônicos. Segredei aos meus amigos que eu sentia meus olhos como os de uma tanajura sodomizada por um mamute, recém acordado de seus doze mil anos de abstinência sexual em uma geleira siberiana.

-Porque não elefante? Perguntou minha amiga rindo um pouco além do normal.

Quem respondeu foi um amigo meu muito sacana:

-Por que elefante é mais moderno, atualizado, depois da última DR que teve com a formiguinha, eles usam camisinha e KY.

Do meu lado, minha amiga ria, ria, ria muito, muito alto, parecia uma beata tendo orgasmos múltiplos entre jojocas, tosses, puns e gemidos. Toda bodega mexicana parou e ficou nos olhando. Eu estava com aquela sensação de que o condomínio todo ia nos processar por excesso onomatopaico pré-orgástico e que logo o síndico viria tomar satisfação pela algazarra absurda.

Meu estado era caótico, lágrimas em abundância saltaram de meus olhos como chuva de verão, fiquei pensando se era assim que acontecia o milagre da chuva nas terras secas Chouchoutecas.

Coloquei outra dose de Mescal na boca, o ardume não passava, tomei tequila branca, o ardume não passava, experimentei tequila ouro, o ardume continuava. Chupei três limões até que uns noventa minutos e doze doses depois, eu voltei a respirar e ter os olhos de novo no lugar, porém já não era mais dono de meus atos e meu gênero estava em risco de se tornar qualquer um.

Minha amiga, que recém tinha operado os olhos de miopia, para mangar de mim falou que eu tinha descoberto uma nova maneira que os oftalmologistas poderiam tratar bem fundo o fundo dos olhos.

Respondi, mal humorado, que se o oftalmo dela tivesse usado este método, a coceirinha que ela ainda sentia no fundo dos olhos na certa sería por causa do fio do OB desajeitado...

Ainda ouvi sua risada alta mais uma vez, antes de ser levado para casa arrastado. Até hoje o bico do meu tênis sem cadarço não se recuperou dos carinhos grotescos que teve contando e resvalando cada petit-pavé curitibano desde a bodega até minha casa.

Entrei inconsciente em minha cápsula residencial sem controle nenhum sobre meu corpo, segundo testemunhos dos meus amigos, minha cor estava igual á de Tsu'Tey, logo depois que ele soube que sua prometida Neytiri tinha se conectado com mal cheiroso Avatar de Jake: azul de um coma profundo...

Sonhei com Thanators, Viperwolves e Tapirus correndo atrás de mim... Acordei no dia seguinte todo suado, molhado de tanto fugir dos animais de Pandora. A cabeça enorme parecia que eu tinha conservado a cabeça de Avatar em meu corpo subumano, destruído e destilado.

Foi só sentir a primeira pontada no ventre como uma estocada de florete para eu virar um Usain Bolt. Em menos de 9,58 segundos, mais rápido do que a luz, do que o próprio pensamento e sem piscar, cheguei ao trono prometido do meu banheiro, no exato momento em que o guacamole da noite anterior explodia em lavas ao som de trovoadas intrínsecas do meu intestino.

Fiquei lá suando com no calor da obra, achando que eu tinha atirado pedra na cruz, ou desonrado alguma donzela Chouchouteca antes do sacrifício. Passei algum tempo pagando meus pecados por um lugar e de um modo que eu não desejo a ninguém.

Depois que a extravasação do magma de minhas regiões internas mais profundas acalmou-se, joguei um pouco de água no local afetado antes de me aventurar com a rigidez do papel higiênico duplo ultra suave, que me pareceu uma lixa ao primeiro toque mais íntimo.

Após uma rápida e dolorida higienização, enchi-me de coragem e sem sair do trono, peguei na gaveta da pia um espelhinho de tirar pelos da orelha e lentamente levei-o para perscrutar meus países baixos.

Como um mortal que tem sua alma transferida permanentemente para seu Avatar, abri meus olhos amarelados e vi milhares de fichas caírem como seres ancestrais diante da Árvore das Almas. Compreendi pela última vez em toda sua profundidade a razão do nome da Pimenta ser Avatar: como se fosse um rabinho, eu estava com o esfíncter anal todinho para fora completamente azulado!

Texugo

Sempre que escuto a mesma estranha palavra duas vezes ao dia em lugares diferentes, considero isto como um sinal da natureza para atentar-me sobre algo fora dos meus padrões mentais, como se a coincidência trouxesse-me o desafio de desvendar algum mistério pela frente. Isto aconteceu na última quarta-feira.

Na primeira situação Texugo surgiu como o apelido carinhoso de um grande amor de uma amiga, falecido recentemente, uma perda difícil e muito marcante para ela. Na outra, um amigo falou-me da existência de um salão de barbeiro na Inglaterra, que cobra 3000euros por um simples barbear e tem fila para atendimento! E pasmem, sabem do que é feito o pincel de barbear? Isto mesmo! Pelo de texugo!

O pelo de texugo não agrega umidade e é muito suave, é utilizado pelos grandes pintores para suavizar traços em suas telas em técnicas especiais. Ele só perde em qualidade para o pelo humano. Você não imagina um pincel de barbear com pelos humanos e eu também não! Se eu soubesse, nem de graça iria me barbear com um pincel assim.

O texugo é um animal que vive em texugueiras, uma espécie de labirinto de túneis e tocas que formam galerias, que constituem o território de cada comunidade, constituída de 6 a 25 indivíduos. No seu interior são construídos ninhos muito fofos de musgos e vegetais secos. A texugueira é demarcada por latrinas ou buracos com dejetos, que limita os espaços territoriais.

O texugo é um animal muito corajoso e feroz, enfrentaria um urso para se defender e ao seu território, provavelmente morreria em sua intenção, mas faria um bom estrago no urso. É por isto que os ursos dificilmente atacam os texugos.

Por outro lado, está em extinção em alguns lugares da Europa por conta dos caçadores de raposas, que jogam gases em suas tocas. As raposas saem e são caçadas. Os texugos vão para o fundo da toca nos seus aconchegantes ninhos, onde não são apanhados, mas morrem asfixiados.

Esqueci completamente do texugo até à tarde de quinta-feira, quando liguei a TV corporativa para assistir uma palestra sobre Gestão do Conhecimento, onde um brasileiro de origem oriental falava sobre a diferença de aprendizado do conhecimento explícito e tácito.

O conhecimento explícito é obtido de forma evidente e lógica, pode ser descrito através de informações que podem ser processadas e armazenadas como conhecimento pelo cérebro.

O conhecimento tácito não dá para ser verbalizado, está dentro das pessoas, é proveniente de algo aprendido pela experiência, sensação e, principalmente, pela convivência.

O grande desafio das empresas que pensam em gerir seus conhecimentos é descobrir como adquirir competências que dependem desta segunda forma de conhecimento, o tácito!

O aprendizado do pensamento estratégico é um bom exemplo disto. O principal objetivo de uma estratégia é desenvolver e perenizar uma empresa. Uma má estratégia pode levá-la a falência, ou seja, a morte empresarial.

Para desenvolver o pensamento estratégico, um conhecimento tipicamente tácito, o palestrante apresentou um método de espelhamento do pensamento através de Mapas de Conhecimento e de Intencionalidade. Estes mapas permitem “ver” o pensamento estratégico como num “espelho”, podendo-se reconhecer se ele é algo novo ou um pensamento arquetípico, um modelo mental fixo, portanto conhecido e não inovador, provavelmente ineficiente ao ser aplicado por já ser de domínio público.

Para o apresentador, estratégia é uma escolha única, é o resultado de um processo de decisão cujas conseqüências só serão conhecidas após a sua implementação. Como este tipo de pensamento, por si só, não resolve a realidade, é preciso que ele seja feito para se saber se a solução foi adequada.

Assim, o aprendizado da estratégia, principalmente a estratégia nova, vem muito do fazer ela acontecer, sentir e perceber seus desdobramentos, para depois pensar sobre ela. Tudo isto feito de forma coletiva e compartilhada, conforme se caracteriza um conhecimento tácito.

Não sei por que ao olhar o desenho dos Mapas apresentados lembrei-me do labirinto de túneis e galerias que forma uma texugueira. Lá veio o texugo de novo, um pequeno estrategista feroz que um urso não gosta de enfrentar.

Nascia assim uma metáfora, que compartilho no sentido de aprimorá-la, já que a metáfora é um dos melhores caminhos de representação do próprio conhecimento tácito.

Não pude deixar de pensar no primeiro barbeiro que, provavelmente olhando os grandes artistas, montou um pincel de barba com pelos de texugo, trazendo um refinamento à arte de um bom barbear. Ou será que foi ao contrário, um "da Vinci", aprimorando suas técnicas de pintura após cortar sua barba com o barbeiro do Papa.

Pensei também na estratégia inovadora de marketing do salão que cobra 3000 euros por uma barba, com refinamentos que vão além do pincel de texugo, trazendo um prazer físico, psicológico e até espiritual aos seus clientes, que de lá saem sentindo-se como se fossem reis, ou pelo menos com o mesmo status em termos de barbear.

Lembrei de minha infância, da barbearia do Seu Benedito, onde havia um quadrinho escrito: fiado só amanhã! Ele era um comunista convicto, que foi preso em 64 e quase deportado! Não por comer criancinhas, mas por falar abertamente em divisão de riquezas através do Estado e logo depois de tentar cobrar a conta pendurada de um freguês militar reformado e recalcado. Com certeza, se vivo, ele estaria perplexo com os 3000 euros por barba.

O uso do pincel de texugo tanto para barbas, como para pinturas, revela o desenvolvimento de um conhecimento tácito. Só a experiência trouxe a certeza de que ele era melhor para barbear e suavizar traços em pinturas!

Refinar o prazer de fazer uma barba, de beber um bom vinho francês ou uma cachaça de salinas envelhecida por 8 anos, de comer um bom bacalhau “gadus morrua” de 10 cm de espessura ou um conchilhone de camarão, fazem “parte” da parte agradável de se aprender um conhecimento tácito.

Há um outro lado que é muito mais difícil, será possível aprender a perda irreparável de um grande amor? Que cartilha fala disto? Alguns falarão da Bíblia e suas metáforas de céu e inferno. Outros trarão os Vedas com sua noção de imortalidade. O Livro dos Espíritos poderá trazer algum consolo com a possibilidade do reencontro nos planos espirituais, nos sonhos e reencarnações futuras.

Todas elas falam em vida eterna após o desenlace, entretanto, só esta última concepção religiosa admite, acredita e tem um método de comunicação entre vivos e mortos; quantas vezes ouvi dizer: ninguém voltou da morte para dizer como é que por lá! Os espíritas dizem que sim.

Sem discutir o mérito destas concepções religiosas, a morte é algo que não se deseja por princípio, sobreviver é um dos instintos básicos de qualquer espécie, talvez por isto, o suicídio seja tão combatido em quase todos os códigos morais e religiões.

Embora a morte seja algo real e duramente explícito, passível de acontecer a qualquer um que está vivo, a dor decorrente da morte de alguém muito querido é uma das realidades mais duras de se enfrentar, há uma série de mecanismos internos de defesa que não permitem aprender a lidar com ela tão somente através da razão, também não dá para simular esta experiência, apesar de todo esforço dos telejornais com suas notícias sangrentas.

Assim, lidar com a morte não faz parte do aprendizado só do conhecimento explícito, vai também além do tácito, pois o objeto amado acaba sendo como que uma parte do sujeito. Pode ser que o ser amado deixe de existir fisicamente, mas ele continua vivo dentro das lembranças, alimentados por sentimentos e emoções que fazem parte da memória atemporal, vem como algo que parece acontecer agora e assim fica difícil admitir a ausência externa definitiva de algo que pulsa internamente intensamente.

O aprendizado em lidar com a morte da pessoa amada passa necessariamente pelo aprender a se conhecer melhor, em termos de autoestima, transformação de frustrações em força, abnegação e humildade em relação ao encerramento de um ciclo.

Atinge, portanto, outros níveis como o conhecimento do próprio "self" e, para os não ateus caminha em direção ao aprendizado espiritual e cósmico, onde outros ciclos de convivência são considerados e assim cria-se a possibilidade de acessar estas fontes de consolo.

Só quem sofreu uma grande perda e aprendeu a passar pelas fases seguintes de negação, apatia e revolta, pode dizer como é difícil aprender com a dor de uma separação percebida como “eterna”.

Sabe-se que o tempo e a maturidade interna despertam lentamente as esperanças e a possibilidade de outras alternativas para a vida, devolvendo os sonhos e o querer ao enlutado, que assim pode superar a perda, transformando-a em gratidão pelos bons tempos vividos junto ao amado, enquanto ele esteve presente.

Como isto leva tempo, não adianta apressar, não é possível ensinar, pode-se dispor a ouvir, pode-se disponibilizar concepções, pode-se explicar os caminhos da superação da dor e até mesmo oferecer amor, mas só o tempo interno de auto reconhecimento, de auto motivação, ou seja, o próprio querer é que devolverão o colorido a vida, possibilitando novas intenções de relacionamento, apego afetivo e felicidade.

Para o texugo esconder-se no próprio ninho quando a fumaça chega pode ser fatal, fugir pela porta de onde vem a fumaça também poderá lhe trazer problemas. Ele tem através de suas galerias outras saídas que não usa quando os caçadores de raposa enfumaçam sua toca e o motivo é simples, atavicamente procurará a falsa proteção do ninho enfumaçado, pois seu instinto de sobrevivência desconhece as conseqüências da fumaça.

Diferente do texugo, o ser humano pode reconhecer os seus pensamentos arquetípicos, seus modelos mentais, seus instintos e dar uma resposta diferente da reativa, abandonando respostas obsoletas e utilizando novas estratégias que lhe dêem ar puro interior e lhe garantam mais e melhor vida.

Para isto é preciso abandonar a arrogância de que se tem pronta à resposta, ou que ela resolve todos os problemas. Sair da toca por outro buraco, de onde vem à brisa fresca, também pode ser perigoso, pois é preciso perceber se o caçador não está por perto montando uma estratégia de contingência para a raposa.

O uso da ferocidade que afasta o urso poderá não assustar o caçador, principalmente se ele for também um caçador de texugo, fornecedor de pelos para pincéis de artistas e barbeiros que cobram 3000 euros por uma barba!

Se a intenção do texugo é sempre de sobreviver, a do homem vai além, pois como espécie consciente tem a responsabilidade de preservar não só a sua como todas as espécies do mundo. Há armas que podem destruir tudo, mas há consciência suficiente para preservar tudo também!

O homem está jogando fumaça na toca do homem! Muitos se aninham em suas tocas e morrem! Muitos mostram suas garras, ferem e são feridos, matam e morrem!

Alguns partem muito cedo, outros tarde demais. Entretanto, muitos já estão agindo, amando e pensando o mundo, os países, as organizações e suas famílias através de
estratégias integras, onde se tornam sujeitos da responsabilidade humana, integrando em suas escolhas o cosmo, o espírito, a estética, a ética, o self, a cognição, o tácito e o próprio objeto de intenção!


PS. Dizem que o herói Wolverine (Marvel Comics), de Roy Thomas e Lein Wein, teve por inspiração o "jeitão" do Texugo e, segundo meu neto Güi, ele é o mais malvadão de todos os super heróis...

Ginástica Laboral

Miro (rascunho de 2006, reescrito em 20 de outubro de 2009)

Cheguei no boteco todo doÍdo, veja bem não é DOiDO... Tinha passado o final de semana com os netinhos, aquele abaixa-levanta, abaixa-levanta para pegá-los no colo, catar gravetos para a fogueira, brinquedos espalhados no chão, fez um estrago geral nos músculos e colunas.

Doía de tudo e em todos, desde o músculo ísquio até o “aquílio”, o posterior, o anterior e o interior da coxa.

Caminhava como caminhão de sítio em carreador mal feito. Meio "desguambelado", fora de centro, a frente mais para esquerda e o traseiro mais para a direita, parecendo sempre estar dobrando uma esquina e nunca conseguir ficar em linha reta.

No pescoço então, aquele torcicolo máster, de quem foi entalado com um espeto dos grandes, que ia desde a alcatra até o cupim! Da culatra até o fim...

Durante o expediente, na Ginástica Laboral para o Programa de Qualidade de Vida, uma nova professora de educação física, muito gostosa, definia o que tínhamos que fazer com uma voz firme, macia e rouca:

-Ontem trabalhamos com os membros superiores...

Rápido fiz uma brincadeira que nenhuma secretária da sala gostou:
- Já sei, só com os Superintendentes!

- Você viu, ele falou que somos inferiores!

-Brincadeirinha! Vocês mulheres é que são os membros superiores da raça humana, nós não vivemos sem Voces. Concertei rápido, antes que pensassem que era algum tipo de indiscriminação.

Ela deu uma risadinha sexy e continuou:

-Hoje vamos trabalhar com todos os membros inferiores!

Engraçadinho, empolgado, cheio de razão, respondi quase sem pensar em assédio:

-Todos os 3 membros inferiores?

Péssima inserção de humor... ela fez que não ouviu e com um certo tom que beirava a raiva, resolveu aplicar tudo que conhecia sobre Ginástica Laboral, proveniente de seu aperfeiçoamento feito em Guantânamo na ilha de Cuba, algo sobre como recuperar em uma semana, a qualidade física de antigos prisioneiros de guerra, que em seguida, seriam soltos por Obama.

Um sufoco para as minhas dores de fim de semana.

Lembrei-me do cotoco do dedo da massagista Dida, uma alemãzinha atarracada, de 1,50 metros de altura, que tem uma bronquite crônica danada, que a faz tossir entre as palavras de seu "conversê" sem fim, enquanto aplica seus dedos sem dó nos nós das costas, em uma massagem daquelas!

A lazarenta da Dida, só com aquele cotoco de dedo, que parava na falangeta, já que uma unha arruinada nos tempos de menina pobre tinha levado a ponta do polegar direito dela embora, fazia um estrago “lazarento de bão” nos torcicolos mais empedernidos.

Ela conseguia gerar 700 kV nos músculos e nervos do pescoço, parecia que os estalos correspondiam a descargas elétricas que partiam da base do cérebro e iam instantaneamente até a ponta dos mindinhos dos pés, última trincheira do ciático velho de guerra!

Sempre que doÍdo, ela me salvava com seu cotoco milagroso, principalmente, das doÍdas injeções de cataflancos nas nádegas. Para mim ela era a Santa do Cotoco, ainda não reconhecida oficialmente pelo Santo Ofício.

Cheguei no boteco reclamando de dor, contei o acontecido ao povo da mesa, dizendo que iria na Dida no dia seguinte...

-Isto é um problema de umidade... uma idade avançada... gritou um gaiato qualquer na mesa.

-É problema de DNA... Data de Nascimento Antiga... respondeu outro, com outra gracinha super conhecida.

-É problema da CIA... Carteira de Identidade Amarelada... complementou um terceiro.

Recebi com desdém as gracinhas...

Meu amigo, o consultor Doutor Salinas, com aquela tranqüilidade mineira de 8 anos de meditação em catre de bálsamo, comentou sereno:

-Não se pode colocar o Dida na frente do time...

-Que é isto? Que tem a ver a minha massagista com o goleiro da nossa seleção canarinho?

-Tudo tem uma ordem: Dida no gol, Cafu na defesa e o Cacá na frente... não se deve inverter.

-Não consegui entender a profundidade daquele conselho futebolístico. Considerei a metáfora um atentado a minha Santinha do Cotoco... que com aquela habilidade, se ela fosse proctologista, na certa faria sem dor o tal temido toque digital, pelo menos não iria tão fundo em suas prospecções prostáticas.

No dia seguinte, na hora marcada, lá estava eu na maca da casa da Dida: cânfora de lá, dedos pra cá, estalos, choques internos, croques externos nos pontos estratégicos e pimba: um alívio geral das dores finas e picantes como pimentas, que insistiam em pinicar as costas um pouco antes da bacia.

Paguei os “trintão” devidos e voltei pirilampo para minha casa, abanei até para cachorro vira-lata que abanava distraído seu rabo em uma esquina próxima. Sentia-me como ele, faminto e livre, com aquela sensação de recém escapado da carrocinha, no meu caso, livre daquela dor canina na base das costas, ou melhor, no início da bunda mesmo... e que antes corria feito um Piquezito perna abaixo e costa acima, rasgando os guarda rails de todas as minhas curvas!

Ao chegar em casa, tirei do porta-malas do carro uma super escada de 12 posições, dobrada em quatro, que havia comprado por uma pechincha pela Internet... quando fiz um esforço a mais para levantá-la, um arrepio correu meu corpo todo, travei as costas em frente ao porta-mala aberto do carro.

Quis gritar, andar, mas nada, parecia estátua de praça, com a sensação de merda de pombo escorrendo com o suor frio na testa. Com dificuldades consegui fechar o porta-malas. O celular sem bateria não funcionava mesmo ali no subsolo. O porteiro não escutaria meus gritos e eu também não queria me entregar ao ridículo da situação.

Da escada de 12 posições dobrada em quatro fiz um andador improvisado. Parecia um ferido de guerra, caminhando lentamente, centímetro a centímetro na direção do elevador, a cada passinho elevava a dor!

-Não se entregue! Não se mixe!

Mais um centímetro...

-Não se entregue! Não se mixe!

Mais um bocadinho...

-Não se entregue! Não se mixe!

A garagem ficou escura pela falta de detecção de movimentos pelos malditos sensores economizadores de energia dos prédios modernos. Mesmo assim, mantive a mente firme na meta de chegar ao elevador. A dor aumentando e eu:

-Não se entregue! Não se MIJE!

Eu já estava me mijando nas calças, quando lembrei de uma técnica oriental para esquecer a dor.

-É só pensar em outra coisa, desconcentrar da dor que ela passa!

Não conseguia para de pensar no elevador, então comecei a criar sobre o tema, ele é o transporte mais seguro do mundo, quem sabe um dia acabem com os acidentes de trânsito e algum DoiDO, invente um elevador horizontal que possa nos levar com segurança da casa até o trabalho e vice-versa.

Com dor tive vontade de rir de mim mesmo desta idéia maluca, mas parece que a técnica oriental funcionou pois aos trancos e barrancos cheguei finalmente ao botão de chamada do elevador. Golpei-o com a ponta do nariz por sobre a escada-andador.

Nestas horas, não se encontra ninguém para ajudar na garagem, ela fica que nem páteo de colégio particular de rico em noite de férias, um breu e um vazio de ouvir cabelo crescer em cabeça de careca a quilômetros de distância.

Meio deitado no andador improvisado, consegui abrir a porta e entra no elevador vazio. Apertei instintivamente e sem ver o 18, meu andar, pois não fazia sentido olhar para cima e eu sabia onde ele estava.

Cada balanço do elevador subindo era acompanhado por uma sinfonia de agudos do ciático que o acompanhava em sincronismo dramático!

Claudiquei até minha porta, a campainha estava estragada. Tirei a chave do bolso e abri a porta, ninguém em casa. Deixei a porta aberta e me dependurei na soleira da porta por uns instantes. Isto aliviou meu amassado ciático e me deu forças para chegar no telefone debaixo da escada.
Ainda bem que o desgraçado estava funcionando! Liguei rápido para os que podiam me acudir.

Depois de 3 caixas postais, um ocupado e uma daquelas mensagem “este telefone não existe”, consegui encontrar uma alma abençoada que me atendeu e que disse que viria me atender, tão logo terminasse o relatório de vendas e vencesse o tráfego das 18:30 para cruzar toda cidade.

Desliguei o telefone esperançoso, por questões de conforto agarrei na escada feito bicho preguiça e ali fiquei 5, 10... 15 minutos! Quando cansava colocava o pé no chão e pimba, lá vinha aquela pontada na base da coluna me transformando de novo em bicho preguiça. Os braços começaram a doer também...30... 45 minutos... um tempo inteiro de futebol para aquela alma abençoada e miserável atravessar a cidade.

O pior de tudo é que o juiz de futebol de plantão, ainda deu 5 minutos de acréscimo por eu caminhar fazendo cera do carro até em casa. Foram 50 minutos até ela chegar e me ajudar. Disse que tinha se atrasado um pouco porque o síndico quis conversar com ela no elevador sobre o uso indevido das garagens... a garagem dela!

- Miserável... só pensei, misturando raiva e dor!

Prestativa, ela discou 0800 pra o Plano de Saúde, depois para o médico, que indicou uma clínica de plantão... Depois de alguns não atendemos o seu plano, ela pronunciou as palavras mágicas:

-É uma emergência!

-Então pode vir... diga para ele tomar antes algum analgésico...

Ouvi aquela fala abençoada do outro lado da linha, ainda dependurado como preguiça na escada da sala. Tomei o analgésico disponível, um em gotas, infantil, dos meus netos, esquecido em minha casa por algum filho.

Tomei o analgésico em overdose, no gargalo mesmo, respirei fundo e comecei o martírio de volta para a garagem, agora com uma muleta abençoada debaixo da axila direita, que nesta altura do campeonato era uma mistura de catinga do suor frio com o grude branco do talco desodorante power dry...

Consegui entrar no carro com malabarismos dignos do Circo de Soleil.

Ela foi dirigindo é claro! Fomos até uma belíssima clínica no Batel. Não atendiam o meu plano de saúde, se quisesse particular tinha que deixar um depósito de R$3.000,00. Cem vezes mais o preço da Dida, xinguei barato a cara clínica, que queria me cobrar o olho da cara para tratar a dor próxima do outro olho e entendi porque tanta gente procurava massagista ao invés de médicos ortopedistas.

Felizmente, depois de algum regateio, já que minha benfeitora entendia de Planos de Saúde, fui atendido, por se tratar de uma EMERGÊNCIA:

- Achei o convênio... emergência pode! Falou a atendente convencida de que não iríamos embora.

Depois disto: sala de DESESPERA por mais 45 minutos, um segundo tempo de futebol!Para me confortar diziam:

- São emergências mais emergentes que as suas!

Mais suor frio e enfim o consultório, lembrei de meu Pai que era médico, ele não deixaria alguém sofrendo assim na sala de espera dele. Rápido contei para o médico ortopdista de plantão a minha história e ele em tom jocoso falou:

- Mais uma vítima destas massagistas, depois Vocês vem aqui chorando...

Não achei graça no comentário e ele logo completou:

-Tem que tirar a roupa, vamos tirar uma chapa.

-Meu chapa, não dá só para dar uns remedinhos? Tentei dissuadi-lo da empreita não desejada.

-Não dá não, está nos procedimentos para o diagnóstico de emergência, coloque este avental.

Minha bela salvadora ajudou-me a tirar as calças, a camisa e colocar o ridículo avental verde, aquele que deixa ao ar livre as partes que gostaríamos de proteger mais: a base das costas, ou melhor, o início da bunda mesmo... nem senti vergonha, tamanha as dores que estava sentindo.

Depois do Raio X e uma rápida análise no meu estado estatístico, ou melhor de estátua, e o médico receitou: 20 sessões de fisioterapia, 10 de acupuntura, 2 remédios anti-inflamatórios e um analgésico mais forte.

-Você terá que ficar de molho por uns dias, só pode sair para a fisioterapia.

- E o boteco?

- Nem pensar, a bebida corta o efeito destes remédios! E lembre-se primeiro o médico ortopedista, depois o fisioterapeuta e em último caso, em último caso mesmo, uma massagista.

Foram duras as semanas seguintes, 3 vezes por semana na fisioterapia. No começo a corrente russa no ciático me fizeram crer que eles, os russos, sabiam torturar muito bem. Depois as acupunturas, o medo de ser espetado. Recebia agulhas até na cabeça, no fim das 10 sessões já estava acostumado com as agulhas, já conseguia relaxar e dormir nas sessões.

Passada a regeneração ciática, já em boa forma física e um pouco mais magro, voltei a trabalho e ao boteco.

No trabalho agradeci aos céus por terem mudado a professora de Laboral, voltaram com um bunda-mole que não cobrava muito nos exercício e só fazia alongamentos tranquilos.
No boteco contei minha saga para os amigos atenciosos, que me fizeram lembrar o que havia dito o Doutor Salinas:

-Não se pode colocar o Dida na frente do time...Tudo tem uma ordem: Dida no gol, Cafu na defesa e o Cacá na frente... não se deve inverter.

Meio vexado, só pude falar:

-É, parece que os lazarentos dos Doutores estavam todos com toda razão! Cada um tem seu lugar no futebol e nos tratamentos. Primeiro é o ortopedista, depois o fisioterapeuta e por último a massagista, senão é CACA...CAFU... DIDA!

Todos riram. Levei um tempo para entender e rir do inesperado trocadilho que sem querer eu tinha feito:
-Senão é CACACA FUDIDA!