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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Ginástica Laboral

Miro (rascunho de 2006, reescrito em 20 de outubro de 2009)

Cheguei no boteco todo doÍdo, veja bem não é DOiDO... Tinha passado o final de semana com os netinhos, aquele abaixa-levanta, abaixa-levanta para pegá-los no colo, catar gravetos para a fogueira, brinquedos espalhados no chão, fez um estrago geral nos músculos e colunas.

Doía de tudo e em todos, desde o músculo ísquio até o “aquílio”, o posterior, o anterior e o interior da coxa.

Caminhava como caminhão de sítio em carreador mal feito. Meio "desguambelado", fora de centro, a frente mais para esquerda e o traseiro mais para a direita, parecendo sempre estar dobrando uma esquina e nunca conseguir ficar em linha reta.

No pescoço então, aquele torcicolo máster, de quem foi entalado com um espeto dos grandes, que ia desde a alcatra até o cupim! Da culatra até o fim...

Durante o expediente, na Ginástica Laboral para o Programa de Qualidade de Vida, uma nova professora de educação física, muito gostosa, definia o que tínhamos que fazer com uma voz firme, macia e rouca:

-Ontem trabalhamos com os membros superiores...

Rápido fiz uma brincadeira que nenhuma secretária da sala gostou:
- Já sei, só com os Superintendentes!

- Você viu, ele falou que somos inferiores!

-Brincadeirinha! Vocês mulheres é que são os membros superiores da raça humana, nós não vivemos sem Voces. Concertei rápido, antes que pensassem que era algum tipo de indiscriminação.

Ela deu uma risadinha sexy e continuou:

-Hoje vamos trabalhar com todos os membros inferiores!

Engraçadinho, empolgado, cheio de razão, respondi quase sem pensar em assédio:

-Todos os 3 membros inferiores?

Péssima inserção de humor... ela fez que não ouviu e com um certo tom que beirava a raiva, resolveu aplicar tudo que conhecia sobre Ginástica Laboral, proveniente de seu aperfeiçoamento feito em Guantânamo na ilha de Cuba, algo sobre como recuperar em uma semana, a qualidade física de antigos prisioneiros de guerra, que em seguida, seriam soltos por Obama.

Um sufoco para as minhas dores de fim de semana.

Lembrei-me do cotoco do dedo da massagista Dida, uma alemãzinha atarracada, de 1,50 metros de altura, que tem uma bronquite crônica danada, que a faz tossir entre as palavras de seu "conversê" sem fim, enquanto aplica seus dedos sem dó nos nós das costas, em uma massagem daquelas!

A lazarenta da Dida, só com aquele cotoco de dedo, que parava na falangeta, já que uma unha arruinada nos tempos de menina pobre tinha levado a ponta do polegar direito dela embora, fazia um estrago “lazarento de bão” nos torcicolos mais empedernidos.

Ela conseguia gerar 700 kV nos músculos e nervos do pescoço, parecia que os estalos correspondiam a descargas elétricas que partiam da base do cérebro e iam instantaneamente até a ponta dos mindinhos dos pés, última trincheira do ciático velho de guerra!

Sempre que doÍdo, ela me salvava com seu cotoco milagroso, principalmente, das doÍdas injeções de cataflancos nas nádegas. Para mim ela era a Santa do Cotoco, ainda não reconhecida oficialmente pelo Santo Ofício.

Cheguei no boteco reclamando de dor, contei o acontecido ao povo da mesa, dizendo que iria na Dida no dia seguinte...

-Isto é um problema de umidade... uma idade avançada... gritou um gaiato qualquer na mesa.

-É problema de DNA... Data de Nascimento Antiga... respondeu outro, com outra gracinha super conhecida.

-É problema da CIA... Carteira de Identidade Amarelada... complementou um terceiro.

Recebi com desdém as gracinhas...

Meu amigo, o consultor Doutor Salinas, com aquela tranqüilidade mineira de 8 anos de meditação em catre de bálsamo, comentou sereno:

-Não se pode colocar o Dida na frente do time...

-Que é isto? Que tem a ver a minha massagista com o goleiro da nossa seleção canarinho?

-Tudo tem uma ordem: Dida no gol, Cafu na defesa e o Cacá na frente... não se deve inverter.

-Não consegui entender a profundidade daquele conselho futebolístico. Considerei a metáfora um atentado a minha Santinha do Cotoco... que com aquela habilidade, se ela fosse proctologista, na certa faria sem dor o tal temido toque digital, pelo menos não iria tão fundo em suas prospecções prostáticas.

No dia seguinte, na hora marcada, lá estava eu na maca da casa da Dida: cânfora de lá, dedos pra cá, estalos, choques internos, croques externos nos pontos estratégicos e pimba: um alívio geral das dores finas e picantes como pimentas, que insistiam em pinicar as costas um pouco antes da bacia.

Paguei os “trintão” devidos e voltei pirilampo para minha casa, abanei até para cachorro vira-lata que abanava distraído seu rabo em uma esquina próxima. Sentia-me como ele, faminto e livre, com aquela sensação de recém escapado da carrocinha, no meu caso, livre daquela dor canina na base das costas, ou melhor, no início da bunda mesmo... e que antes corria feito um Piquezito perna abaixo e costa acima, rasgando os guarda rails de todas as minhas curvas!

Ao chegar em casa, tirei do porta-malas do carro uma super escada de 12 posições, dobrada em quatro, que havia comprado por uma pechincha pela Internet... quando fiz um esforço a mais para levantá-la, um arrepio correu meu corpo todo, travei as costas em frente ao porta-mala aberto do carro.

Quis gritar, andar, mas nada, parecia estátua de praça, com a sensação de merda de pombo escorrendo com o suor frio na testa. Com dificuldades consegui fechar o porta-malas. O celular sem bateria não funcionava mesmo ali no subsolo. O porteiro não escutaria meus gritos e eu também não queria me entregar ao ridículo da situação.

Da escada de 12 posições dobrada em quatro fiz um andador improvisado. Parecia um ferido de guerra, caminhando lentamente, centímetro a centímetro na direção do elevador, a cada passinho elevava a dor!

-Não se entregue! Não se mixe!

Mais um centímetro...

-Não se entregue! Não se mixe!

Mais um bocadinho...

-Não se entregue! Não se mixe!

A garagem ficou escura pela falta de detecção de movimentos pelos malditos sensores economizadores de energia dos prédios modernos. Mesmo assim, mantive a mente firme na meta de chegar ao elevador. A dor aumentando e eu:

-Não se entregue! Não se MIJE!

Eu já estava me mijando nas calças, quando lembrei de uma técnica oriental para esquecer a dor.

-É só pensar em outra coisa, desconcentrar da dor que ela passa!

Não conseguia para de pensar no elevador, então comecei a criar sobre o tema, ele é o transporte mais seguro do mundo, quem sabe um dia acabem com os acidentes de trânsito e algum DoiDO, invente um elevador horizontal que possa nos levar com segurança da casa até o trabalho e vice-versa.

Com dor tive vontade de rir de mim mesmo desta idéia maluca, mas parece que a técnica oriental funcionou pois aos trancos e barrancos cheguei finalmente ao botão de chamada do elevador. Golpei-o com a ponta do nariz por sobre a escada-andador.

Nestas horas, não se encontra ninguém para ajudar na garagem, ela fica que nem páteo de colégio particular de rico em noite de férias, um breu e um vazio de ouvir cabelo crescer em cabeça de careca a quilômetros de distância.

Meio deitado no andador improvisado, consegui abrir a porta e entra no elevador vazio. Apertei instintivamente e sem ver o 18, meu andar, pois não fazia sentido olhar para cima e eu sabia onde ele estava.

Cada balanço do elevador subindo era acompanhado por uma sinfonia de agudos do ciático que o acompanhava em sincronismo dramático!

Claudiquei até minha porta, a campainha estava estragada. Tirei a chave do bolso e abri a porta, ninguém em casa. Deixei a porta aberta e me dependurei na soleira da porta por uns instantes. Isto aliviou meu amassado ciático e me deu forças para chegar no telefone debaixo da escada.
Ainda bem que o desgraçado estava funcionando! Liguei rápido para os que podiam me acudir.

Depois de 3 caixas postais, um ocupado e uma daquelas mensagem “este telefone não existe”, consegui encontrar uma alma abençoada que me atendeu e que disse que viria me atender, tão logo terminasse o relatório de vendas e vencesse o tráfego das 18:30 para cruzar toda cidade.

Desliguei o telefone esperançoso, por questões de conforto agarrei na escada feito bicho preguiça e ali fiquei 5, 10... 15 minutos! Quando cansava colocava o pé no chão e pimba, lá vinha aquela pontada na base da coluna me transformando de novo em bicho preguiça. Os braços começaram a doer também...30... 45 minutos... um tempo inteiro de futebol para aquela alma abençoada e miserável atravessar a cidade.

O pior de tudo é que o juiz de futebol de plantão, ainda deu 5 minutos de acréscimo por eu caminhar fazendo cera do carro até em casa. Foram 50 minutos até ela chegar e me ajudar. Disse que tinha se atrasado um pouco porque o síndico quis conversar com ela no elevador sobre o uso indevido das garagens... a garagem dela!

- Miserável... só pensei, misturando raiva e dor!

Prestativa, ela discou 0800 pra o Plano de Saúde, depois para o médico, que indicou uma clínica de plantão... Depois de alguns não atendemos o seu plano, ela pronunciou as palavras mágicas:

-É uma emergência!

-Então pode vir... diga para ele tomar antes algum analgésico...

Ouvi aquela fala abençoada do outro lado da linha, ainda dependurado como preguiça na escada da sala. Tomei o analgésico disponível, um em gotas, infantil, dos meus netos, esquecido em minha casa por algum filho.

Tomei o analgésico em overdose, no gargalo mesmo, respirei fundo e comecei o martírio de volta para a garagem, agora com uma muleta abençoada debaixo da axila direita, que nesta altura do campeonato era uma mistura de catinga do suor frio com o grude branco do talco desodorante power dry...

Consegui entrar no carro com malabarismos dignos do Circo de Soleil.

Ela foi dirigindo é claro! Fomos até uma belíssima clínica no Batel. Não atendiam o meu plano de saúde, se quisesse particular tinha que deixar um depósito de R$3.000,00. Cem vezes mais o preço da Dida, xinguei barato a cara clínica, que queria me cobrar o olho da cara para tratar a dor próxima do outro olho e entendi porque tanta gente procurava massagista ao invés de médicos ortopedistas.

Felizmente, depois de algum regateio, já que minha benfeitora entendia de Planos de Saúde, fui atendido, por se tratar de uma EMERGÊNCIA:

- Achei o convênio... emergência pode! Falou a atendente convencida de que não iríamos embora.

Depois disto: sala de DESESPERA por mais 45 minutos, um segundo tempo de futebol!Para me confortar diziam:

- São emergências mais emergentes que as suas!

Mais suor frio e enfim o consultório, lembrei de meu Pai que era médico, ele não deixaria alguém sofrendo assim na sala de espera dele. Rápido contei para o médico ortopdista de plantão a minha história e ele em tom jocoso falou:

- Mais uma vítima destas massagistas, depois Vocês vem aqui chorando...

Não achei graça no comentário e ele logo completou:

-Tem que tirar a roupa, vamos tirar uma chapa.

-Meu chapa, não dá só para dar uns remedinhos? Tentei dissuadi-lo da empreita não desejada.

-Não dá não, está nos procedimentos para o diagnóstico de emergência, coloque este avental.

Minha bela salvadora ajudou-me a tirar as calças, a camisa e colocar o ridículo avental verde, aquele que deixa ao ar livre as partes que gostaríamos de proteger mais: a base das costas, ou melhor, o início da bunda mesmo... nem senti vergonha, tamanha as dores que estava sentindo.

Depois do Raio X e uma rápida análise no meu estado estatístico, ou melhor de estátua, e o médico receitou: 20 sessões de fisioterapia, 10 de acupuntura, 2 remédios anti-inflamatórios e um analgésico mais forte.

-Você terá que ficar de molho por uns dias, só pode sair para a fisioterapia.

- E o boteco?

- Nem pensar, a bebida corta o efeito destes remédios! E lembre-se primeiro o médico ortopedista, depois o fisioterapeuta e em último caso, em último caso mesmo, uma massagista.

Foram duras as semanas seguintes, 3 vezes por semana na fisioterapia. No começo a corrente russa no ciático me fizeram crer que eles, os russos, sabiam torturar muito bem. Depois as acupunturas, o medo de ser espetado. Recebia agulhas até na cabeça, no fim das 10 sessões já estava acostumado com as agulhas, já conseguia relaxar e dormir nas sessões.

Passada a regeneração ciática, já em boa forma física e um pouco mais magro, voltei a trabalho e ao boteco.

No trabalho agradeci aos céus por terem mudado a professora de Laboral, voltaram com um bunda-mole que não cobrava muito nos exercício e só fazia alongamentos tranquilos.
No boteco contei minha saga para os amigos atenciosos, que me fizeram lembrar o que havia dito o Doutor Salinas:

-Não se pode colocar o Dida na frente do time...Tudo tem uma ordem: Dida no gol, Cafu na defesa e o Cacá na frente... não se deve inverter.

Meio vexado, só pude falar:

-É, parece que os lazarentos dos Doutores estavam todos com toda razão! Cada um tem seu lugar no futebol e nos tratamentos. Primeiro é o ortopedista, depois o fisioterapeuta e por último a massagista, senão é CACA...CAFU... DIDA!

Todos riram. Levei um tempo para entender e rir do inesperado trocadilho que sem querer eu tinha feito:
-Senão é CACACA FUDIDA!

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