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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Manhas & Artes de Comer Carangueijos

Miro 23.12.2003.

Chega final de ano, festas natalinas, verão, comemorações de todos os modos!

Uma comemoração natural, porém, muito especial é a que ocorre nos manguezais do litoral Paranaense: à corrida dos caranguejos que acontece nas duas últimas Luas Cheias da primavera.

Milhares de caranguejos saem de suas tocas diretamente para as bocas famintas de freqüentadores dos melhores botecos da capital. É um festival de marteladas, chupação de patas peludas, cortes pequenos nos dedos e um arreganhar de entranhas de fazer inveja a qualquer troglodita faminto diante de sua caça recém abatida.

A meleca é geral, desde a retirada do caranguejo de sua melequenta toca, até ser devorado como uma das melhores iguarias... realmente, a meleca é geral!

Dizem que este ritual é mais que centenário, vem dos tempos em que os caiçaras começaram a se espalhar serra a cima, antes mesmo da emancipação do Estado do Paraná, influenciando nos costumes e política da região.

Disto surgiu à lenda urbana de que os políticos locais têm costumes de caranguejos: só aparecem uma vez por ano e não deixam que os outros se sobressaiam, puxando-os de volta para dentro do balaio onde permanecerão presos... se é que políticos ficam presos!

Um bom caranguejo é limpo ainda vivo e ainda vivo é colocado na panela, onde é imolado com água e sal, quando muito, podem ser untados com outros temperos mais fortes a gosto do freguês, mas a base é água e sal.

Para comê-los é preciso de muitas artes & manhas, ou será manhas primeiro e depois arte? Em todos os casos necessita-se de muita paciência mesmo: pata a pata, falange por falange... tem umas caverninhas no abdômen, que também é sua cabeça, que escondem verdadeiras minas de carne branca.

Quando os caranguejos são servidos inteiros, a gordurinha que sobra em sua casca pode ser misturada a uma branquinha farinha de mandioca de Guaraqueçaba, feijão fresco cozido em panela de ferro, vinagrete de tomate quase maduro e pimenta a gosto. Uma delícia!

A única coisa que não se pode ter é pressa, ainda mais quando do seu lado está um super devorador de caranguejos como meu amigo mineiro, cujo codinome é Almirante. Fato estranho, pois Minas não tem mar e nem caranguejos! Mas é isto mesmo, ele é um mineiro "lazarento de bão", tem porte de Almirante e adora caranguejos!

Ele é capaz de traçar mais de 12 caranguejos por hora, em uma velocidade de fazer inveja a qualquer debulhador de milho turbinado a querosene de avião. Isto regado, é claro, com uma cerveja Original e uma dose farta de cachaça, das boas, de preferência uma Lote 4!

Em segundos os pedaços de cascas vão se acumulando no balde, enquanto os nacos da deliciosa carne descem goela abaixo do mineirinho boa praça.

Ele tem vários truques para ser tão eficaz, alguns vêm dos tempos que aprendeu karatê lá pelas bandas do sul de Minas. Uma porrada bem dada no lugar certo e a pata solta a carne inteira, sem nenhum amassadinho, parece até que fez curso para “martelinho de ouro”.

Depois as peludas patas passam pelo vasto e peludo bigode e são mordidas rapidamente!

O trabalho para transformar o bicho em octaplégico é quase que instantâneo.

De tão rápido, parece que o processo é totalmente automatizado:

As cascas finas que escapam aos dedos, ficam de um lado da bochecha, a cachaça ou a cerveja de baixo da língua e a carne branca do outro lado e assim em poucos golpes e de um só gole, somem os peludos membros do crustáceo, enquanto os restos de pequenas lascas e cascas são expulsos da boca em direção ao chão.

Mas a luta não para por aí, rapidamente os dedos arregaçam o corpo do caranguejo e todas as microcavernas cedem lugar a um tremendo vazio após uma supersucção tipo rotorooter.

Pronto, foi-se o primeiro caranguejo! Tão rápido, que no tempo de se chegar ao final da leitura desta frase, provavelmente o segundo já tenha sido devorado e o terceiro escolhido com o canto do olho.

Atenção, muito cuidado nesta hora para não atacar o caranguejo eleito por ele! Ou ouvirá um grunhido abafado e retumbante, de felino dos grandes, controlando território...

Sem perder o ritmo do teu próprio trabalho, aproveite para ver a arte com que o mineirinho devora os caranguejos!

Conforme orientações do nosso consultor Doutor Salinas sobre situações complicada, de muita tensão:
"-Vá devagar ao pote!"

Fique sempre olhando se ele está aquiescendo sua investida ao pote de carangueijos. Se houver um rosnar parecido com o de um leão ao acordar com fome... dê um jeito na sua mão, disfarce e pegue a garrafa de cerveja que estrategicamente deve ficar sempre ao lado do cobiçado pote e, polidamente, sirva para ele uma bem gelada e grite:

-Viva!

Automaticamente Você ouvirá um VIVA ecoando em todo boteco!

Assim sua intenção será perdoada e Você poderá continuar se alimentando, à moda baiana com todo tempo do mundo e muita manha.

Para matar o tempo, chupe umas 3 vezes a mesma pata peluda, pegue um palitinho e tire as micro carnes dos liliputianos caranguejos que ele despreza.

Felizmente ele para de vez em quando para puxar um palheiro, aí você pode tentar sacar da travessa um caranguejo que tenha patas maiores ou que tenha pelo menos todas as patas, normalmente quando o mineirinho para, só sobram os pesos penas.

Nestes momentos, se Você ficar atento, pode aprender um estranho segredo que só os pupilos do Doutor Salinas sabem: limpar as mãos com cerveja!

Parece nojento, melequento e estranho, mas funciona, a cerveja limpa suas mãos das melecas caranguejeiras e outras gorduras mineiras com a excelência dos melhores “limpóis”.

O importante é não desistir, continuar na sua, comendo com manha os miúdos caranguejos.

Preste atenção quando ele começar a contar as histórias de suas coleções: moedas, cédulas, relógios, canetas... significa que ele está ficando quase satisfeito, quando passar para as histórias de sua terra natal pode aumentar o seu ritmo de acesso ao caranguejódromo, nesta altura Você já pode ir atacando os médios.

No momento que ele contar a história do Nega Véia, aproveite-se da situação e peça uma nova rodada só com caranguejos que lutam no ultimate fighting, chame o garçom e reclame:

- “Nada de pequenos tetraplégicos caranguejos que vieram até agora, quero uma cesta cheia daqueles que têm patolas que fazem inveja ao Minotauro”.

Aí meu amigo está na tua hora e é também a hora em que ele sente falta de um doce, peça uns oito Eskibons! Sim, aqueles da caixinha azul, tão tradicional como a caixa de maisena. Deixe os sorvetes ali na mesa... distraídos... Você vai ver que distraidamente, eles vão sumir e não vai ser por que derreteram.

Então com toda tranqüilidade do mundo, peça um outro prato, um pano de prato limpo e comece a desenvolver a sua própria arte em devorar os patoludos, sem receio dele te olhar com aquele olhar de Pitbull de vizinho lutador de jiu-jitsu.

Não ligue se na hora de pagar a conta, ele quiser pagá-la integralmente, faz parte da hospitalidade mineira e ele gosta de ter a fama de ser o maior predador de caranguejos de Santa Quitéria. Você terá oportunidade de retribuir a gentileza em um outro momento.

Seguindo a receita acima, Você aprenderá com rapidez a comer caranguejos com manha & arte, mesmo diante de um devorador compulsivo como o Almirante, consciente de que apesar de não ser mineiro, neste caso é Você que deve ser “o maior come quieto”, pelo menos de caranguejos!

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