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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Texugo

Sempre que escuto a mesma estranha palavra duas vezes ao dia em lugares diferentes, considero isto como um sinal da natureza para atentar-me sobre algo fora dos meus padrões mentais, como se a coincidência trouxesse-me o desafio de desvendar algum mistério pela frente. Isto aconteceu na última quarta-feira.

Na primeira situação Texugo surgiu como o apelido carinhoso de um grande amor de uma amiga, falecido recentemente, uma perda difícil e muito marcante para ela. Na outra, um amigo falou-me da existência de um salão de barbeiro na Inglaterra, que cobra 3000euros por um simples barbear e tem fila para atendimento! E pasmem, sabem do que é feito o pincel de barbear? Isto mesmo! Pelo de texugo!

O pelo de texugo não agrega umidade e é muito suave, é utilizado pelos grandes pintores para suavizar traços em suas telas em técnicas especiais. Ele só perde em qualidade para o pelo humano. Você não imagina um pincel de barbear com pelos humanos e eu também não! Se eu soubesse, nem de graça iria me barbear com um pincel assim.

O texugo é um animal que vive em texugueiras, uma espécie de labirinto de túneis e tocas que formam galerias, que constituem o território de cada comunidade, constituída de 6 a 25 indivíduos. No seu interior são construídos ninhos muito fofos de musgos e vegetais secos. A texugueira é demarcada por latrinas ou buracos com dejetos, que limita os espaços territoriais.

O texugo é um animal muito corajoso e feroz, enfrentaria um urso para se defender e ao seu território, provavelmente morreria em sua intenção, mas faria um bom estrago no urso. É por isto que os ursos dificilmente atacam os texugos.

Por outro lado, está em extinção em alguns lugares da Europa por conta dos caçadores de raposas, que jogam gases em suas tocas. As raposas saem e são caçadas. Os texugos vão para o fundo da toca nos seus aconchegantes ninhos, onde não são apanhados, mas morrem asfixiados.

Esqueci completamente do texugo até à tarde de quinta-feira, quando liguei a TV corporativa para assistir uma palestra sobre Gestão do Conhecimento, onde um brasileiro de origem oriental falava sobre a diferença de aprendizado do conhecimento explícito e tácito.

O conhecimento explícito é obtido de forma evidente e lógica, pode ser descrito através de informações que podem ser processadas e armazenadas como conhecimento pelo cérebro.

O conhecimento tácito não dá para ser verbalizado, está dentro das pessoas, é proveniente de algo aprendido pela experiência, sensação e, principalmente, pela convivência.

O grande desafio das empresas que pensam em gerir seus conhecimentos é descobrir como adquirir competências que dependem desta segunda forma de conhecimento, o tácito!

O aprendizado do pensamento estratégico é um bom exemplo disto. O principal objetivo de uma estratégia é desenvolver e perenizar uma empresa. Uma má estratégia pode levá-la a falência, ou seja, a morte empresarial.

Para desenvolver o pensamento estratégico, um conhecimento tipicamente tácito, o palestrante apresentou um método de espelhamento do pensamento através de Mapas de Conhecimento e de Intencionalidade. Estes mapas permitem “ver” o pensamento estratégico como num “espelho”, podendo-se reconhecer se ele é algo novo ou um pensamento arquetípico, um modelo mental fixo, portanto conhecido e não inovador, provavelmente ineficiente ao ser aplicado por já ser de domínio público.

Para o apresentador, estratégia é uma escolha única, é o resultado de um processo de decisão cujas conseqüências só serão conhecidas após a sua implementação. Como este tipo de pensamento, por si só, não resolve a realidade, é preciso que ele seja feito para se saber se a solução foi adequada.

Assim, o aprendizado da estratégia, principalmente a estratégia nova, vem muito do fazer ela acontecer, sentir e perceber seus desdobramentos, para depois pensar sobre ela. Tudo isto feito de forma coletiva e compartilhada, conforme se caracteriza um conhecimento tácito.

Não sei por que ao olhar o desenho dos Mapas apresentados lembrei-me do labirinto de túneis e galerias que forma uma texugueira. Lá veio o texugo de novo, um pequeno estrategista feroz que um urso não gosta de enfrentar.

Nascia assim uma metáfora, que compartilho no sentido de aprimorá-la, já que a metáfora é um dos melhores caminhos de representação do próprio conhecimento tácito.

Não pude deixar de pensar no primeiro barbeiro que, provavelmente olhando os grandes artistas, montou um pincel de barba com pelos de texugo, trazendo um refinamento à arte de um bom barbear. Ou será que foi ao contrário, um "da Vinci", aprimorando suas técnicas de pintura após cortar sua barba com o barbeiro do Papa.

Pensei também na estratégia inovadora de marketing do salão que cobra 3000 euros por uma barba, com refinamentos que vão além do pincel de texugo, trazendo um prazer físico, psicológico e até espiritual aos seus clientes, que de lá saem sentindo-se como se fossem reis, ou pelo menos com o mesmo status em termos de barbear.

Lembrei de minha infância, da barbearia do Seu Benedito, onde havia um quadrinho escrito: fiado só amanhã! Ele era um comunista convicto, que foi preso em 64 e quase deportado! Não por comer criancinhas, mas por falar abertamente em divisão de riquezas através do Estado e logo depois de tentar cobrar a conta pendurada de um freguês militar reformado e recalcado. Com certeza, se vivo, ele estaria perplexo com os 3000 euros por barba.

O uso do pincel de texugo tanto para barbas, como para pinturas, revela o desenvolvimento de um conhecimento tácito. Só a experiência trouxe a certeza de que ele era melhor para barbear e suavizar traços em pinturas!

Refinar o prazer de fazer uma barba, de beber um bom vinho francês ou uma cachaça de salinas envelhecida por 8 anos, de comer um bom bacalhau “gadus morrua” de 10 cm de espessura ou um conchilhone de camarão, fazem “parte” da parte agradável de se aprender um conhecimento tácito.

Há um outro lado que é muito mais difícil, será possível aprender a perda irreparável de um grande amor? Que cartilha fala disto? Alguns falarão da Bíblia e suas metáforas de céu e inferno. Outros trarão os Vedas com sua noção de imortalidade. O Livro dos Espíritos poderá trazer algum consolo com a possibilidade do reencontro nos planos espirituais, nos sonhos e reencarnações futuras.

Todas elas falam em vida eterna após o desenlace, entretanto, só esta última concepção religiosa admite, acredita e tem um método de comunicação entre vivos e mortos; quantas vezes ouvi dizer: ninguém voltou da morte para dizer como é que por lá! Os espíritas dizem que sim.

Sem discutir o mérito destas concepções religiosas, a morte é algo que não se deseja por princípio, sobreviver é um dos instintos básicos de qualquer espécie, talvez por isto, o suicídio seja tão combatido em quase todos os códigos morais e religiões.

Embora a morte seja algo real e duramente explícito, passível de acontecer a qualquer um que está vivo, a dor decorrente da morte de alguém muito querido é uma das realidades mais duras de se enfrentar, há uma série de mecanismos internos de defesa que não permitem aprender a lidar com ela tão somente através da razão, também não dá para simular esta experiência, apesar de todo esforço dos telejornais com suas notícias sangrentas.

Assim, lidar com a morte não faz parte do aprendizado só do conhecimento explícito, vai também além do tácito, pois o objeto amado acaba sendo como que uma parte do sujeito. Pode ser que o ser amado deixe de existir fisicamente, mas ele continua vivo dentro das lembranças, alimentados por sentimentos e emoções que fazem parte da memória atemporal, vem como algo que parece acontecer agora e assim fica difícil admitir a ausência externa definitiva de algo que pulsa internamente intensamente.

O aprendizado em lidar com a morte da pessoa amada passa necessariamente pelo aprender a se conhecer melhor, em termos de autoestima, transformação de frustrações em força, abnegação e humildade em relação ao encerramento de um ciclo.

Atinge, portanto, outros níveis como o conhecimento do próprio "self" e, para os não ateus caminha em direção ao aprendizado espiritual e cósmico, onde outros ciclos de convivência são considerados e assim cria-se a possibilidade de acessar estas fontes de consolo.

Só quem sofreu uma grande perda e aprendeu a passar pelas fases seguintes de negação, apatia e revolta, pode dizer como é difícil aprender com a dor de uma separação percebida como “eterna”.

Sabe-se que o tempo e a maturidade interna despertam lentamente as esperanças e a possibilidade de outras alternativas para a vida, devolvendo os sonhos e o querer ao enlutado, que assim pode superar a perda, transformando-a em gratidão pelos bons tempos vividos junto ao amado, enquanto ele esteve presente.

Como isto leva tempo, não adianta apressar, não é possível ensinar, pode-se dispor a ouvir, pode-se disponibilizar concepções, pode-se explicar os caminhos da superação da dor e até mesmo oferecer amor, mas só o tempo interno de auto reconhecimento, de auto motivação, ou seja, o próprio querer é que devolverão o colorido a vida, possibilitando novas intenções de relacionamento, apego afetivo e felicidade.

Para o texugo esconder-se no próprio ninho quando a fumaça chega pode ser fatal, fugir pela porta de onde vem a fumaça também poderá lhe trazer problemas. Ele tem através de suas galerias outras saídas que não usa quando os caçadores de raposa enfumaçam sua toca e o motivo é simples, atavicamente procurará a falsa proteção do ninho enfumaçado, pois seu instinto de sobrevivência desconhece as conseqüências da fumaça.

Diferente do texugo, o ser humano pode reconhecer os seus pensamentos arquetípicos, seus modelos mentais, seus instintos e dar uma resposta diferente da reativa, abandonando respostas obsoletas e utilizando novas estratégias que lhe dêem ar puro interior e lhe garantam mais e melhor vida.

Para isto é preciso abandonar a arrogância de que se tem pronta à resposta, ou que ela resolve todos os problemas. Sair da toca por outro buraco, de onde vem à brisa fresca, também pode ser perigoso, pois é preciso perceber se o caçador não está por perto montando uma estratégia de contingência para a raposa.

O uso da ferocidade que afasta o urso poderá não assustar o caçador, principalmente se ele for também um caçador de texugo, fornecedor de pelos para pincéis de artistas e barbeiros que cobram 3000 euros por uma barba!

Se a intenção do texugo é sempre de sobreviver, a do homem vai além, pois como espécie consciente tem a responsabilidade de preservar não só a sua como todas as espécies do mundo. Há armas que podem destruir tudo, mas há consciência suficiente para preservar tudo também!

O homem está jogando fumaça na toca do homem! Muitos se aninham em suas tocas e morrem! Muitos mostram suas garras, ferem e são feridos, matam e morrem!

Alguns partem muito cedo, outros tarde demais. Entretanto, muitos já estão agindo, amando e pensando o mundo, os países, as organizações e suas famílias através de
estratégias integras, onde se tornam sujeitos da responsabilidade humana, integrando em suas escolhas o cosmo, o espírito, a estética, a ética, o self, a cognição, o tácito e o próprio objeto de intenção!


PS. Dizem que o herói Wolverine (Marvel Comics), de Roy Thomas e Lein Wein, teve por inspiração o "jeitão" do Texugo e, segundo meu neto Güi, ele é o mais malvadão de todos os super heróis...

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