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Quando teu olhar verdade encontrar o meu no silêncio entre as minhas palavras, verás que ele foi sempre teu, por essência de nossa sinceridade.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Pet Incineração

Miro 17 de setembro de 2010.

A primeira vez que me apaixonei por Você estava distraído, não percebi Você chegar, quando tomei consciência já era tarde de mais, não conseguia deixar de pensar em Você. Isto aconteceu em São Paulo, num bairro chique, chamado Jardins. Tua imagem foi montada rapidamente em minha memória ativa como um quebra-cabeças para principiantes. Após uma boa garrafa de vinho, lá estava eu diante de tua presença mental, linda, sorridente e e u escrevendo para Você como se Você pudesse me ver, ler e ouvir. Alguns dias depois, Você morreu pela primeira vez em mim, quando escolheu apaixonar-se por um outro homem. Senti-me como um cãozinho abandonado, tornei-me imaturo nos meus próprios sentimentos, fugi como pude de expressá-los e digno de uma criança adaptada e submissa a realidade crítica dos fatos, apostei em minha paciência interna e eterna para passar ao largo de tua influência. Isto não foi fácil, também não foi o pior pesadelo de minha vida, compus minha frustração de vários modos, deixando minha mente criança e poeta enlouquecer extravasando rimas e contos. Esta frustrada paixão alimentava meu ego rebelde com suas estocadas certeiras em meu coração ainda forte. Fui trabalhando e considerando a realidade dos fatos até acalmar minha obsessão mental por ti. Criei compensações múltiplas, saí com mulheres livres, dormir com pomba-giras, deitei-me com putas e candidatas, comi de tudo um pouco, como se a diversidade pudesse aplacar o monocromático de minha intenção em ter Você. A falta de possibilidades contigo me fez voltar aos velhos amores, valorizar o carinho disponível e trazer para o coração algum conforto térmico afetivo. Passei alguns meses neste situação, até que conformado com sua distância, pus-me em movimento emocional, valorizando sentimentos amadurecidos e confiáveis.

A segunda vez que me apaixonei por Você estava no controle da situação, deixei Você se aproximar, sentia-me seguro com tua abordagem, preparado para dividir tua presença impactante comigo, comemorar tua liberdade, fiz viagens para te encontrar, procurei facilitar tua vida, nutri tuas necessidades de sobrevivência mais básicas. Por não ter medidas contigo, acabei de novo sufocando-me e te sufocando com minha prontidão afetiva e embora querendo-te perto, pronta, possível, percebi que Você só me queria como amigo, protetor confiável e assim criei novas razões para que Você pela segunda vez morresse dentro de mim. Depois destes acontecimentos, por várias vezes me perguntei porque não a dominei com minha força nos momentos em que te percebia fraca. Você estava à mercê de muitas coisas, mas a despeito de minhas vontades, fantasias, meu modo livre de ser e querer impediu-me sempre de usar meios mais impositivos ou sedutores contigo. Sofri tua perda mais ainda, quando anunciastes teu novo caso afetivo. Busquei consolo em algumas garrafas de cachaça mineira, enlutei-me em prosa, em versos, em tiras de rimas, em novas mentiras afetivas e como um vira-latas busquei saciar minha fome em trocas de carinhos projetivos públicos, que me dessem alguma compensação ante o teu novo abandono. Saí desta situação estruturando minha vida, considerando que contigo nada seria além de uma amizade banal, iguais a tantas outras que cultivas no twitter, com risos triviais e de vivências superficiais. Entendi, que eu para ti seria no máximo um dos teus vários bichinhos virtuais de estimação.

A terceira vez que me apaixonei por Você estava atento, muito atento para não cair de novo nas mesmas armadilhas, sentia-me maduro, consciente do valor do amor e da temporalidade da paixão, encarava os fatos e os dados com muita técnica e exatidão, calculava nossas diferenças, desprezava as nossas similitudes, atracava meus sentimentos em sentimentos que como cais impediam-me de estar em mares revoltos e desconhecidos. De algum modo muito sutil, algumas sementes regadas por alguma arrogância foram desabrochando em meu peito e, aos poucos, fui ficando de novo cego por ti. Lia a realidade dos fatos através dos filtros de toda uma história de frustrações mal compensadas, a vida te jogando de novo para o meu lado, que leitura fazer do destino senão desencavar os velhos sentimentos contidos e morder a isca do inesperado fato de Você estar mais uma vez disponível. Sem negar o que sentia, com cautela e já cheio de marcas desta paixão, fugi de ti como o diabo da cruz, mesmo querendo tê-la como redenção de todos os pecados vividos em teu nome. Fugi como cão sem dono atemorizado dos teus laços e abraços possíveis. Congelei-me em glacial tempo de espera até constatar mais uma vez que tua escolha não era estar comigo. Desta vez não chorei, só fiquei com muita raiva, espaços e tempos perdidos por nada e nada mais em mim seria de algum valor em relação a Você. Socialmente, ainda cooperei com tuas iniciativas e vontades, sufoquei minha espontânea ira pelo troco da paz interior. Desejei e te vi feliz ao lado de teus amores! Considerei minhas dores, meus princípios, minhas vontades, meus sonhos, todos os movimentos internos e externos que fiz em relação a Você e conclui que deveria integrá-los em uma única sepultura, enterrar por esta vida qualquer possibilidade contigo, afastar-me de ti definitivamente, rompendo todas as formas de ligação contigo.

Procurei várias formas de fazer isto, com classe, com elegância e que fosse definitivo. Numa manhã, ouvindo o rádio do carro, escutei um anúncio sobre “pet-incineração”, anotei o endereço, liguei para saber o custo, não era lá tão exorbitante, até podia ser feito em vezes. Eu preferi a vista, pois na fatura do cartão só estaria uma única e última lembrança de Você. Juntei tuas fotos, todas as poesias, contos e tiras que fiz por Você e saí a esmo pela cidade. Não foi difícil encontrar um cão recém-atropelado morto, enfiei na garganta dele tudo que se relacionava contigo, algo estranho, difícil e até nojento. Algumas pulgas pularam em mim, afastei-as como pude e mesmo assim continuei com meu propósito. Juntei a carcaça já sem vida e dirigi-me ao crematório pet. Entrei com algumas lágrimas nos olhos, a moça atendeu-me com atenção e presteza. Um grande cartaz avisava: trate com carinho aquele que sempre te tratou bem! Fiquei pensando na vida vagabunda que aquele vira-lata tinha tido, ele parecia forte, saudável, um daqueles cães chefes de matilhas que perambulam pela cidade em busca de restos de fastfood e cadelinhas no cio, que eram estupradas por ele entre as grades dos portões das casas mais chiques e que por um descuido, foi atropelado em uma via rápida... Afastei esta minha fantasia canina e coloquei o cão numa pequena urna de pano grosso que ela entregou-me comovida. Perguntou-me se queria uma cremação indivicual ou coletiva. Respondi que queria individual, de R$150,00, conforme a promoção anunciada na rádio. Depois de passado o cartão de crédito e fechado uma espécie de ziper na urna, não vi mais o vira-lata recheado. Ela levou-o para uma sala interna e cerca de duas horas depois voltou com um pequeno vidro com cinzas e um rótulo em branco. Com delicadeza e preparo para estes momentos, perguntou-me quase em silêncio o que eu queria fazer com as cinzas e como chamava o cãozinho, sem pestanejar respondi: fique com Você, ele se chamava Paixão!

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