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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Shampoo de Matupiri

Conforme o combinado lá estávamos nós numa quarta-feira magna, repleta de motivações para comemorarmos mais um equinócio no hemisfério Sul, o momento em que o inverno deita seus friorentos dias na veia cava da lembrança, dando sangue novo às artérias e lugar ao colorido renascente da primavera, onde o petit pavé das calçadas fica amarelado pelos múltiplos orgasmos dos Ipês de mesma cor.

Como dizem os franceses: printemps! Ou melhor, tempo de loucuras! Nele a natureza explode em hormônios vegetais, que flutuantes no ar criam as maiores alergias nos narizes sensíveis das recatadas mocinhas curitibanas, que espirram sem parar dentro dos ligeirinhos ou quando passam rebolativas através da Rua das Flores. Por toda cidade a grama renasce forte e os campos gerais das imediações ficam com suas madeixas ao vento como trigais europeus em pinceladas rápidas de Van Gogh.

Foi nesta atmosfera de passagem que, após ter ido pescar tucunarés-açus no Rio Matupiri, um afluente de um afluente do Rio Madeira, em um destes flutuantes que tem todo conforto para sueco nenhum desgostar da Amazônia, que nosso Almirante voltou todo empolgado com uma descoberta que não tinha nada a ver com pescaria: uma substância milagrosa extraída de uma planta tropical, que pasmem, fazia crescer o cabelo e que agora estava disponível na forma de um shampoo e que tinha renovado a esperança dele ter de novo aquela farta cabeleira dos tempos dos Beatles em Sôlorenço do Passa Quatro.

A seguir ele colocou a embalagem do shampoo bem do lado da garrafa de cachaça mineira, que estava rodeada de pequenos copinhos, quase uns dedais de vidro com o precioso mel de bálsamo, que emolduraram o início de um movimento síncrono e uniforme de todos os olhares dos presentes, desde a garrafa santa em companhia do shampoo até a relusente e vermelha testa avantajada, onde todos puderam constatar o efeito milagroso na cabine de comando do almirantado.

Sem dúvida alguma coisa diferente havia acontecido naquela pescaria e com nosso amigo! Uma farta penugem branca povoava todo o convés do companheiro, balançando leve sob a brisa que entrava pela porta aberta do boteco, quase uma ilusão de óptica impressionista, composta diante de nós.

Foram alguns segundos de silêncio comtemplativo antes que todos caíssem na risada. Além das penugem sob o vermelho, que ainda não sabíamos se era do Sol equatorial ou efeito colateral do tal shampoo, um único fio de cabelo preto resistia bravamente a agrúria dos tempos e apontava em riste para o céu como um agradecimento ao milagre obtido.

Gaiato nato, o Magrão logo falou:

-Excelente este shampoo para "o" cabelo!

Todos riram pelo fato singular de que na embalagem o tratamento era também no singular, ou seja bastava ter um fio para não perder a esperança. Jacó do Violão, que tem uma cabeça lisa de fazer inveja à casca de ovo de qualquer avestruz de cativeiro, deixou de lado seu instrumento de menestrel ocasional do improviso e tascou com a voz em meio tom a tradicional pergunta:

- Não tem efeito colateral? E o sexo?

- Uma beleza, não atrapalha em nada! Até ajuda, pois também tem guaraná e catuaba em pó na sua formulação! Toda manhã eu acordo com o estandarte em riste!

- Sei não. Disse o Pachá, um outro grande testa da turma. Estes produtos diminuem a vontade, a tal de libido, experimentei um que só me trouxe constrangimento e dissabores, precisei associar o azulzinho para que as noites de inverno não ficassem tão frígidas.

- Não senhor, ele é bom mesmo. Complementou o mais alto escalão da Marinha, penteando e ajeitando com dois dedos o fio preto de cabelo eriçado pelo vento.

A conversa parou por aí e outros assuntos vieram a baila, discutiu-se muito sobre a preferência de alguns membros da tropa pelo Doctor Juanito Camiñante Rojo, como bebida para os dias menos gelados da primavera.

Foi só o imperador chegar para contarmos para ele a novidade sobre o shampoo da Amazônia. Ele tirou seu chapéu da estação, passou a mão na testa longa até o pequeno rabicho de cavalo cultivado sobre a nuca, fez uma breve pesquisa sob a gávea do nosso pescador e convicto disse:

- Vou experimentar!

Empolgado com a situação, eu que também tenho longas entradas e que estão se tornando cada vez mais longas, como que ampliadas por bandeirante ação do tempo, também não resisti:

- Também vou!

Coincidência ou não, quase num salto, o Bukerke saiu da mesa e foi até o porta malas do carro, de onde trouxe uma caixa do tal shampoo, comprada quando ele fez uma viagem com o Batuta para Belém do Pará, também na Amazônia.

As notas e cheques correram fácil sobre a mesa. O Magrão não resistiu e perguntou ao Bukerke se ele estava ampliando seu portfólio de fornecimento de especiarias raras do norte e nordeste brasileiro. Mas este nem respondeu, só contando o cheque e o dinheiro arrecadado.

Na empolgação comprei 4 vasilhames, custaram-me R$198,00, trinta e oito pilas só de frete...

Fui para casa inebriado pelos tapas na marvada mineira e curioso para experimentar a novidade. No mes que se seguiu, todas as manhãs eu usava o shampoomassageava o cabelo duas vezes, e enquanto a substância amazônica fazia efeito, eu aproveitava o tempo para lavar minuciosamente com a espuma que escorria o meu próprio nariz e os meus ouvidos. Depois do banho olhava atentamente o progresso capilar em minhas entradas. Em 21 dias fiquei tão empolgado com as penugens ressurgentes que não me dei conta do que havia acontecido comigo, continuei usando o shampoo e mantendo o mesmo ritual por dias.

Toda esta odisséia capilar acabou quando minha filha que estava viajando para fora do País veio ao Brasil para votar e ao invés de me beijar perguntou-me:

-O que é isto Papitika?

Entusiasmado, respondi com outra pergunta:

- Você notou a diferença?

-Claro Pai! É ridículo.

- Como assim filha, eu tenho direito de ser um pouco vaidoso, de cuidar da minha aparência!

-Tudo bem Pai, Você tem este direito, mas isto é ridículo... RE-DÍ-CU-LO!

Pegou-me pelo braço e levou-me até em frente ao espelho do hall de entrada.
Ainda cego e orgulhoso dos avanços capilares em direção a minha testa, abri um sorriso de satisfação.

- Viu está crescendo cabelo aqui nas entradas!

- O Pai! Não estou falando disto!

E virando minha cabeça de um lado, depois para outro, depois para cima ela apontou para mim em julgamento final:

-Pai Você está com pelos, imensos pelos, no nariz, nas orelhas, Você sabe como eu acho REDÍCULO pelos, pelos nas orelhas!

Acabrunhado e com tufos de pelos saindo pelas ventas e orelhas, fui correndo ao banheiro, peguei o que havia: uma pinça! E em suicídio capilar retirei os tufos entre lágrimas de desespero. O que fazer? Não ter cabelos ou ter pelos, pelos nas orelhas? Lá se foi minha esperança...

Voltei do banheiro, abracei minha filha, contei a história do shampoo e falei que a amava. Ela deu muita risada e beijando me disse:

-Pai também te amo! Amo Você como Você é! Você é meu candidato a careca preferido nas próximas eleições, só não quero que Você tenha tufos e tufos de pelos, pelos nas orelhas.

Não preciso dizer que no aniversário do meu amigo Pachá ele ganhou de mim 3 frascos do shampoo amazônico novinhos em folha, afinal de contas, a família dele, diferente da minha, não liga dele ter pelos, tufos de pelos nas orelhas!


PS. Esta é uma história irreal, fruto de uma imaginação aquecida pela falta de cabelo e por alguns goles a mais de uma boa cachaça mineira e qualquer relação com shampoos ou pessoas reais existentes é meríssima coincidência!

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