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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Algo Muito Legal de Normal!

Miro 23.12.2003

Lá se ia a hora do Jornal Nacional, com todas as suas notícias de acidentes, corrupções, violências e reportagens repetitivas de final de ano, quando o bom e velho consultor Doutor Salinas chegou no reduto de nossas conversas transversais.

O clima na mesa do boteco não era dos melhores, as mudanças profundas que haviam ocorrido com todos ainda pesava o ar, só "desanuviado" pelo ar da graça de uma autêntica salineira de boa procedência.

Ao perceber o clima quase funesto, mesmo próximo do Natal, nosso consultor veio com esta:

-Hoje quero desejar que algo muito legal de normal aconteça com todos!

-Como assim? Nada extraordinário? Fala sério... bradou Batuta com sua voz de pecador malandro criado na beira do rio Barigui, nos tempos que ainda tinha lambari.

-Você está me desejando que algo muito legal de normal me aconteça, não tinha coisa melhor para me desejar? Embasou a conversa Antônio Antão, com sua voz de imperador tentando incendiar nossa pequenina mesa Roma.

-Você me faz lembrar do meu homeopata, que tem horror à palavra normal. Ele diz que ela é um mantra do mal. Completou Wald Little.

-Teu médico deve ter tido contágio com o pessoal que acredita que o mundo atual sofra de “normose”... respondeu calmamente nosso consultor.

-Normose? Que é isto? Aquela curva de estatística... uma jibóia que comeu uma abóbora e fica com aquela forma de chapéu de Pancho Villa, onde quase tudo no mundo pode ser representado...
Um novo tipo de doença? Para mim normal lembra morno, lembra morte, é ruim ser normal! Balbuciou Buquerque.

-É por aí mesmo, normose é uma inflamação do normal, uma lesão terrível de quem, por esforço repetitivo, está sempre na norma, no padrão, no mesmo modelo mental, custe o que custar.

-Um tipo especial de Lesão de Esforço Repetitivo mental ou um padrão exemplar de conduta? 

Questionou em voz alta nosso Almirante.

-Os dois juntos e mais um pouco. Esta doença dá em pessoas que se impõem uma conduta inflexível, que não admite a mudança, de tão normais viram normóticos.

-Já sei! Aqueles sujeitos que participam das Comissões de Estudos da ABNT para elaborar os requisitos técnicos de recomendações de especificações de tampa de transformadores a base de SF6 de Subestações de 750Kv, sujeitas a variações climáticas tropicais... Lecionou rápido Mr. Antony Peter.

-Agora você foi fundo. Menos do que isto, isto já é um ofício de especialista, sujeitos que sabem quase tudo de quase nada, fazem parte do efeito Big Tail, estão no rabo da saia da curva normal das condutas normais.

-Gosto muito disto! Interrompeu Batuta, big tail, rabo grande... lembrou-me a diferença entre uma mulher e uma pérola...

Todos riram, pois já sabiam da tal história do pequeno gafanhoto que não sabia o que responder ao mestre Jeday sobre esta diferença... mais tarde teve como resposta do iluminado que a diferença estava no o grau de liberdade maior dos movimentos e possibilidades sexuais de uma mulher “pérola” em relação a uma mulher “normal”...

O consultor pigarreou alto “Hrum!Hrum!”, chamando a atenção de novo sobre si:

-Do outro lado do rabo da curva normal, ou seja, no seu centro, existe uma maioria silenciosa, acomodada em seu modo normal de ser, que não contesta nada até estar a ponto de explodir, aí se “inflama” e entra em crise de normalidade.

A partir daí a conversa correu solta na mesa, com aspectos ora religiosos, ora quase científicos:

-Inflamação do normal, por isto normose. É quase uma loucura!

-É isto aí garoto Vris! Daí “os caras” serem também considerados normóticos, ou psicóticos da normalidade.

-É uma loucura mansa, silenciosa, deve ser tratada pelas medicinas alternativas e gurus organizacionais, diante de um mundo onde a única certeza é a mudança.

-Parece que durante muito tempo o normal foi confundido com o saudável, por isto não gosto do normal.

-Fala sério! Você gosta de anormais...

-Durante séculos esta loucura mansa foi o caminho da salvação, estar na regra, fora do pecado garantia as maravilhas de uma vida de adoração pós-morte. O dia a dia das pessoas deveria ser uma linha contínua de normalidades sem as tentações do pé rachado...

-Ao filho cabia a profissão do pai, que herdara isto do avô. Uma vez aristocrata, sempre aristocrata, uma vez ferreiro, sempre ferreiro, não havia escolha e isto se impregnava até nos sobrenomes: Ferreiro, Carpinteiro, Machado, etc...

-Ainda existem requisitos disto nas chamadas empresas familiares, facilmente observadas em propagandas do tipo “De pai para filho desde 1836...”

-De um certo modo, a ousadia ainda é considerada como influência maliciosa do anjo decaído! Se aceita vai dar em porcaria sulfúrica! Fazendo sempre igual não se corre o risco de ser mal interpretado, “excomungado” e perder para sempre as delícias normais do paraíso familiar, escolar ou organizacional...

-Fazer sempre igual recebeu nos últimos tempos um reforço dos que interpretaram “Padronização dos Processos” como o único um modo de controlar pessoas e levá-las ao bom desempenho.

-E é isto mesmo, só leva a um bom desempenho, ou a um desempenho normal, aceito e esperado nos planos, fica tudo sob controle e o poder continua sendo exercido da mesma forma que no início do milênio, mais elaborado é claro.

-Então Você concorda comigo que o normal não é o que é mais importante para o ser humano, que o extraordinário, o salto quântico, as inovações é que valem a pena em um mundo tão igual!

-Concordo mais ou menos, o que estou dizendo, enfatizou o consultor é que esta crença de que o normal é ser igual, fazer a mesma coisa sempre, não ousar, expulsou as grandes idéias do âmbito da normalidade.

-Galileu teve que se retratar... e no entanto, as estrelas continuavam normalmente se movendo...

-Assim como na renascença, é hora de renascer a normalidade criativa do homem, de desenvolver sua capacidade de fazer diferente e até de fazer igual, se assim for sua escolha consciente.

-Isto me faz lembrar de uma autora, que não me lembro o nome, que disse que a felicidade não é algo extraordinário, pois se assim fosse ficaríamos tão ansiosos e extasiados que não seríamos felizes com ela. Para ela, felicidade seria algo normal que entra na nossa vida e só se dá valor algum tempo depois. Alguém sabe de quem é esta frase?

Um silêncio rápido, quebrado pelo Doutor Salinas:

-Quando se reconhece a importância de pequenas coincidências do acaso, acontecimentos normais que de muito legais, algum tempo depois são reconhecidos como de felicidade.

-Então é isto que Você me deseja: Felicidades?

-É!

-Não poderia ter dito isto de modo mais simples?

-Não, pareceria muito normal...

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